Eu era aluno da faculdade de direito, mas queria ser diplomata. À época, meu plano de vida era me formar o quanto antes e prestar o vestibular do Instituto Rio Branco —a única escola que forma diplomatas no Brasil.
As 20 vagas que o instituto oferecia anualmente eram muito concorridas. Eu morava no Ceará —de antes da internet— e, de lá, todo o processo de preparação para as provas era mais complicado.
Mais de uma vez, tive de ir ao Recife para comprar livros da bibliografia de estudo que não conseguia encontrar em Fortaleza.
Minha família tratava essa minha decisão de me tornar diplomata como uma forma de escapismo, como se buscasse, com essa fantasia, o adiamento de um futuro profissional plausível. Eles não acreditavam que eu seria aprovado.
Na minha cabeça, eu representaria o Brasil no exterior, e minhas funções teriam a ver com a execução da política externa do meu país.
Minha visão do Instituto Rio Branco era idealizada e, nesse contexto, simbolizava uma espécie de ingênua utopia pessoal.
Na primeira vez em que fui a Brasília, o Rio Branco foi um dos primeiros lugares que visitei. Ficava ainda no oitavo ou sétimo andar do anexo 2 do Palácio do Itamaraty.
Nessa visita, notei que os alunos do instituto usavam crachá azul, e os diplomatas, crachá vermelho. Desejei um daqueles para mim.
Subsequentemente, o Rio Branco foi instalado no chamado Bolo de Noiva e, hoje, ocupa uma sede própria, em Brasília, perto do Ministério das Relações Exteriores, do qual institucionalmente faz parte.
De 1945 a meados dos anos 1970, o Instituto Rio Branco funcionou no Rio de Janeiro. Foi só em 1976 que se mudou para a capital.
Na semana passada, essa transferência para Brasília completou 40 anos. No Itamaraty teve até cerimônia de celebração. Há razão para isso.
No Rio de Janeiro, a diplomacia brasileira ainda insistia em valorizar sobrenomes tradicionais cariocas e olhava com desdém para o resto do Brasil que não descendia do Segundo Império ou não provinha da zona sul da cidade.
A vinda do Instituto Rio Branco para Brasília propiciou o encontro dos diplomatas com um Brasil real, cuja totalidade eles teriam de representar.
Desde a transferência, as provas de entrada para o instituto passaram a ser realizadas em várias capitais e não apenas no Rio de Janeiro, tornando-se mais acessíveis para pessoas de outros Estados do país.
Em Brasília, o Itamaraty começou a encarar a diversidade do Brasil, e o curso de preparação para a carreira diplomática passou a incluir viagens de estudo que apresentavam aos futuros diplomatas elementos e lugares do país que muitos nunca conheceriam por conta própria.
Foi pelas mãos do Rio Branco que estive pela primeira vez em Cucuí, AM, ou em Ijuí, RS. Como diplomata, esse tipo de aprendizado me deu mais conhecimento e legitimidade para representar o país no exterior.
Como estudante do Instituto Rio Branco, nascido em São Paulo, morando em Brasília e vindo do Ceará, reconheci minha identidade brasileira e aprendi a valorizá-la, projetá-la e defendê-la no grande mosaico das nacionalidades internacionais.
Percebi o mesmo ocorrendo com colegas gaúchos, pernambucanos e paranaenses, e me dei conta de que o Rio Branco servia, sobretudo, para afinar estilos de brasilidade a ser exibidos e exercidos na representação do país no exterior.
Nos últimos 40 anos, o Instituto Rio Branco em Brasília formou gerações de diplomatas —de todos os Estados da federação— que ajudaram, entre outras coisas, a estabelecer uma imagem mais legítima e positiva do Brasil no mundo.
Essa identidade e a escola que ajuda a defini-la são patrimônios nacionais, que, apesar de nossos percalços, continuam a existir e devem ser celebrados.
Os governos passam. E o Rio Branco permanece.
Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).