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    Alexandre Vidal Porto

    Lula contra o Brasil

    02/08/2016 02h00

    Marlene Bergamo/Folhapress
    PODER - SP - O Presidente Lula fala no Seminario Nacional do Sistema financeiro e Sociedade. 29/07/2016 - Foto Marlene Bergamo/Folhapress - 017
    O ex-presidente Lula fala em seminário em São Paulo, em julho

    Fiquei triste ao saber que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia ingressado com uma petição contra o Brasil no Comitê de Direitos Humanos da ONU.

    Em seu recurso, alegou perseguição da imprensa e denunciou violações de seus direitos individuais por parte de membros do Poder Judiciário brasileiro, especificamente o juiz federal Sergio Moro, no âmbito da operação Lava Jato.

    Ao pedir a atenção da ONU para uma questão estritamente doméstica, o ex-presidente Lula lança dúvidas sobre a legitimidade e a capacidade de autogestão do Poder Judiciário nacional. Aos olhos do mundo, coloca todos os magistrados do Brasil sob suspeição.

    Não cabe a mim ou ao ex-presidente julgar se as decisões de Sergio Moro são acertadas ou não. Nenhum de nós prestou concurso para a magistratura. Quem deve dizê-lo e modificar eventuais decisões incorretas —como, de resto, já se fez— são as instâncias superiores de justiça em funcionamento neste país.

    Então, por que o ex-presidente resolveu criticá-las internacionalmente?

    Porque, na lógica presidencial, o fato não conta. O que conta é a versão.

    Lula já assumiu várias identidades. De operário, passou a líder sindical. De político de oposição a presidente da República. Agora, quer passar de réu a vítima.

    Ele não é o único a tentar essa estratégia.

    No Senado, cozinha-se um fedorento projeto de lei 280/2016, que visa a coibir "abusos" cometidos por autoridades judiciais, como se o Judiciário não contasse com seus próprios mecanismos de controle.

    O que se quer coibir, na verdade, é a independência do Judiciário —sem a qual não há democracia que resista. A reação, seja no Planalto ou no Congresso, é claramente de defesa contra juízes incontroláveis. Você gostaria de um juiz que descobrisse seus crimes e quisesse te mandar para a cadeia? Nem eles.

    A petição de Lula à ONU, dado o seu descabimento, parece ter a intenção de desinformar a opinião pública internacional sobre o funcionamento das instituições brasileiras. Fontes ligadas ao ex-presidente se jactavam de a ação ter repercutido na imprensa de 48 países.

    O ex-presidente posa de mártir e tenta forjar uma identidade que não é justa nem com a verdade, nem com o Brasil. Tenta transformar uma questão de direito penal em questão de direitos humanos.

    A petição de Lula à ONU deixa a sensação de que ele, tendo perdido a esperança de se absolver nas cortes brasileiras, busca agora salvação no exterior. Internacionalmente, assume a identidade de "perseguido político" e pode, sim, estar lançando as bases conceituais para um eventual pedido de asilo, como já se comentou.

    O fato de Lula ter deixado o segundo mandato com 80% de aprovação popular não o exime do respeito à lei. O ex-presidente deve entender que decisões judiciais nada mais são do que a aplicação do ordenamento jurídico ao qual ele, como qualquer outro brasileiro, deve se submeter.

    Dá para compreender a força do instinto, mas é melancólico assistir a um outrora grande homem reduzir-se para sobreviver.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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