• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 11:01:54 -03
    Alexandre Vidal Porto

    Cerimônia de abertura da Rio-2016 dá sentido de possibilidade

    09/08/2016 02h00

    Ninguém está muito satisfeito com o Brasil. Saímos às ruas, assistimos aos noticiários e nos perguntamos: como foi que nos tornamos este país?

    Apesar das Olimpíadas, o Brasil parece triste —ou, no mínimo, preocupado. As coisas custam cada vez mais caro. A cada dia, mais amigos desempregados. Tem muita gente sem saber como vai pagar a escola dos filhos no mês que vem. Em todo lugar, insegurança.

    Chamada - Rio 2016

    No meio dessa bad trip, temos de sediar o maior evento esportivo do planeta. Coisa séria para o esporte mundial e para a imagem do Brasil no mundo.

    Até o momento, as coisas correm dentro do normal. A cerimônia de abertura, surpreendente e emocionante, galvanizou o país. Para a autoestima da nacionalidade, teve o efeito inverso ao do 7x1.

    Na concepção do espetáculo, chamou a atenção a candura com a qual o Brasil foi retratado. No Maracanã, era um país em crise de identidade querendo falar de si, apresentando-se para o mundo com sinceridade: eu nasci assim, eu cresci assim. São estas as minhas chagas.

    Falou-se de escravidão, colonialismo, desigualdade social e mudanças climáticas, tudo com engajamento. Não é qualquer país que tem coragem para isso. Na cerimônia dos jogos de Pequim, China —último país em desenvolvimento a receber uma Olímpiada antes do Brasil—, só se falou da glória e da grandeza chinesas.

    Para o mundo, a cerimônia passou a mensagem de que dinheiro não é tudo na vida. Ninguém precisa apresentar resultados necessariamente piores porque passa por uma crise econômica.

    No caso da Rio-2016, ficou claro que criatividade, trabalho conjunto e planejamento podem compensar a relativa falta de recursos. A "gambiarra" —conceito orientador na execução do evento mostrou enorme valor concreto em um mundo no qual os recursos materiais são escassos e injustamente distribuídos.

    No Brasil, estamos desgostosos de quem somos. Queremos nos reinventar. Temos pistas sobre quem queremos ser, mas não certezas. E não vemos lideranças inspiradoras que nos proponham caminhos.

    Na abertura das Olimpíadas, a mensagem que passamos é que valorizamos uma sociedade justa, que dá oportunidade de participação a todos, que preza a diversidade, assume suas responsabilidades globais e opera no mundo e no Brasil de forma eficiente, em ações bem planejadas, com o menor custo possível -porque, afinal, ainda estamos nos desenvolvendo.

    Onde encontrar sentido de possibilidade para construir esse país? À ausência de lideranças claras, a cerimônia de abertura foi buscar um exemplo prático e poético na história do Brasil: um ser estranho, que gostava de máquinas, baixinho, homossexual, que se decide, inspirado pelos livros de Julio Verne, a querer voar. E voa.

    Como diria Oscar Wilde, "estamos todos na lama, mas alguns têm os olhos nas estrelas."

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024