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    Alexandre Vidal Porto

    As mulheres que usam burquíni não têm opção

    30/08/2016 02h01

    No domingo de manhã, na praia, vi uma senhora que tomava banho de mar vestida. O mar estava tranquilo, e ela trajava uma camisa escura de mangas compridas e uma saia longa. Ninguém se preocupava com ela. Ela não se preocupava com ninguém. Tomava seu banho tranquila e pudicamente, como sua religião mandava.

    A visão daquela senhora me fez comentar com a amiga que estava comigo —e cujas credenciais feministas eu muito respeito— o quão truculenta havia sido a recente decisão, por parte de algumas prefeituras francesas, de proibir o uso do burquíni em suas praias. Achei brutal a foto que rodou o mundo na qual uma mulher muçulmana de burquíni é abordada na praia por policiais.

    Vantagenews.com-23.ago.16/theguardian
    Políciais confrontam uma mulher em Nice nesta terça-feira e falam sobre a proibição de burquíni nas praias francesas
    Policiais confrontam uma mulher em Nice falam sobre a proibição de burquíni nas praias francesas

    Minha amiga feminista discordou de mim. "Muitas mulheres de burquíni não tem opção. Se quiserem ir à praia, terão de se cobrir. Ainda que —vá lá— elas gostem e se sintam bem com o burquíni e apreciem a ideia de se banhar cobertas, seus trajes não foram escolhidos por elas, lhes foram impostos pela sociedade machista, e, nesse sentido, simbolizam a submissão da mulher ao homem. Vai tentar ir de biquíni a uma praia na Arábia Saudita para ver o que acontece..."

    A primeira vez em que vi um burquíni, achei que se tratava de um avanço na direção da emancipação da mulher no mundo islâmico. Pensei que aquele traje, que fazia as mulheres parecerem homens-rã, permitiria às muçulmanas mais religiosas ocuparem e desfrutarem de espaços públicos adicionais: praias e piscinas.

    Na viagem de volta a São Paulo, ainda com as ponderações de minha amiga na cabeça, lembrei-me de um vídeo da Jout Jout em que ela fala sobre homens abusivos que querem controlar a maneira de vestir de suas mulheres ("vá trocar essa blusa, que está muito decotada..."). Pensei também nas garotas que ficam oito horas de maiô e salto alto no ar condicionado para vender carros no salão do automóvel. Cheguei em casa e li a notícia de que uma menina de 6 anos havia sido trocada por uma cabra no Afeganistão. Misturou tudo na minha cabeça.

    Uso o exemplo das muçulmanas, mas penso igual sobre qualquer religião que imponha código de vestimenta feminino. Porque, nesse tipo de mandamento, existe uma linha comum: homens querendo controlar e coisificar o corpo feminino, que não pertence a eles, mas que, ainda assim, eles tentam —e, muitas vezes, conseguem— subjugar. A religião é um instrumento utilizado para isso.

    E minha amiga está certa: para a grande parte das mulheres religiosas, não há alternativa possível. É na obrigatoriedade que reside o problema, é no tratar o corpo feminino como se ele não tivesse dona. No final, é tudo homem querendo mandar em mulher. É isso o que se deve coibir.

    (Está achando ruim? Vai tentar usar biquíni na Arábia Saudita para ver o que acontece...

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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