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    Alexandre Vidal Porto

    O que queremos dos Estados Unidos?

    27/09/2016 02h00

    Na mesma semana em que Barack Obama inaugurava o Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana, em Washington, visitei o museu AfroBrasil no Parque do Ibirapuera. Não sei se, além de Brasil e Estados Unidos, outros países dedicam museus a sua herança africana. Acho que são só esses dois mesmo.

    Existem poucos países mais parecidos ao Brasil que os Estados Unidos —ou vice-versa. São ambos continentais, formados por imigrantes e autocentrados. Em que pesem as diferenças, suas instituições inspiraram-se nas mesmas fontes filosóficas. São duas enormes democracias multiétnicas no mesmo lado do mundo: singulares e semelhantes.

    Ambos ainda lidam com os efeitos perversos da escravidão na formação de suas sociedades. Isso não é pouco nem fácil, mas acrescenta uma dimensão humana às relações entre as duas nações. Milhões de brasileiros e milhões de norte-americanos compartilham a identidade de descenderem de escravos e enfrentarem questões análogas de exclusão econômica e injustiça social.

    A área dos direitos humanos é um dos eixos centrais de convergência entre os interesses de Washington e Brasília. Temos problemas em comum. O policial que atira em negros e bate em gays —e tudo o que os envolve— opera tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

    No governo Dilma Rousseff, a antipatia ideológica em relação aos Estados Unidos acirrou-se com a revelação do escândalo de espionagem contra a presidente pelo serviço de inteligência americano. Isso é sério, não se discute. No entanto, é ingênuo esperar que governos ajam de forma ética. Isso não existe na política internacional. O que prevalece é o interesse nacional de cada país. Os EUA não são os únicos a agirem assim.

    Michael Reynolds/Efe
    MHR11 WASHINGTON (ESTADOS UNIDOS), 30/06/2015.- El presidente estadounidense, Barack Obama (d), ofrece una rueda de prensa con su homóloga brasileña, Dilma Roussef (i), en la Casa Blanca, Washington, Estados Unidos, hoy, martes 30 de junio de 2015. Roussef realiza su primera visita oficial al país desde que asumiera la presidencia en 2011. EFE/Michael Reynolds ORG XMIT: MHR11
    Em 2015, o americano Barack Obama se encontra com a então presidente Dilma Rousseff

    Goste-se ou não, os Estados Unidos são o país mais importante do mundo. Representam cerca de 25% do PIB global. São nosso segundo maior parceiro comercial e abrigam a maior comunidade de brasileiros fora do Brasil. Em nossas relações com o mundo, não há como evitá-los.

    Por isso, no momento em que as relações têm a oportunidade de se renovarem, é preciso definir o que queremos dessa imensa e poderosa nação.

    O Embaixador Rubens Barbosa, que chefiou a Embaixada em Washington de 1999 a 2004, levantou esse ponto em um programa de TV no fim-de-semana e, com isso, resumiu uma das questões mais pertinentes para nossa política externa.

    No processo dessa definição, devemos ter em mente que os interesses globais dos Estados Unidos são amplos e difusos e que a desconexão entre os governos de Dilma e Obama reduziu a prioridade do Brasil no Departamento de Estado. Devemos ter em mente, também, que a elaboração da política externa não é responsabilidade apenas do governo e que a sociedade civil também deve influir e participar.

    Independentemente de qualquer ideologia, interessa ao Brasil recuperar o dinamismo perdido no diálogo com a maior potência global. As áreas de convergência —não apenas direitos humanos, mas também comércio, meio ambiente e outras— devem ser exploradas exaustivamente.

    Acreditar, como se fez no passado recente, que os Estados Unidos são o grande vilão da ordem internacional é ingênuo, anacrônico e contraproducente. Ter visão de Guerra Fria em um mundo multipolar não produz bons resultados. Para quem ainda opera na versão segunda metade do século 20, um aviso: está na hora de atualizar o aplicativo.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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