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    Alexandre Vidal Porto

    Pelo respeito à opinião alheia

    04/10/2016 02h00

    Não sei se foram os anos em que trabalhei na ONU, negociando com gente cujas posições eram opostas às minhas, tendo de alcançar consenso com quem eu não tinha nada em comum.

    Não sei se foi por ser homossexual e de ter-me entendido como minoria desde sempre, ou, ainda, por ter passado quase vinte anos fora do Brasil, sendo visto e tratado como estrangeiro.

    O fato é que, ao longo da vida, aprendi a reconhecer e a aceitar as diferenças dos outros. Desde cedo, fui forçado a conviver com quem não se parecia ou concordava comigo.

    A respeito da convivência entre diferentes, o escritor português Valter Hugo Mãe comentava, em entrevista recente, ter percebido, no Japão, "um certo esplendor da cordialidade (...) a grande lição do Japão é essa, podermos ser antagônicos, contrários ao outro, mas termos aprendido a capacidade de o respeitar. E esse respeito pelo oposto, como o respeito pelo inimigo, para mim é uma lição de vida".

    Greg Salibian/Divulgação
    O escritor Valter Hugo Mãe em conferência do Fronteiras do Pensamento
    O escritor Valter Hugo Mãe em conferência do Fronteiras do Pensamento

    Concordo com ele e acho que, no Brasil atual, tem muita gente precisando aprender essa lição.

    Baseio-me no tom agressivo do discurso político, que repercute nas ruas e nas mídias sociais e que se observa em todo o espectro ideológico. Da extrema esquerda à extrema direita, tem sempre alguém desqualificando a opinião de alguém.

    Esse discurso virulento está baseado em certezas absolutas, e qualquer discordância é creditada à ignorância ou à má-fé. O benefício da dúvida nunca é concedido ao oponente: se não concorda comigo, ou não é inteligente ou bem informado o bastante —ou, pior, está mal intencionado.

    Só que não tem nada mais desinteligente que subestimar a opinião alheia. O desrespeito e a desqualificação das diferenças —políticas, socioeconômicas, raciais, sexuais, de gênero— é, em uma palavra, incivilizado.

    E é incivilizado porque, para quem vive em sociedade, como nós, existe a necessidade de um certo consenso social. Em termos ideais, implementa-se o que a maioria decide, preservando-se os direitos das minorias, tudo com cordialidade. Afinal, estamos —e seguiremos— no mesmo barco nacional.

    Ninguém precisa concordar com nada ou gostar de ninguém. Basta respeitar a lei e fazer pressão para que respeitem.

    O respeito pelo oposto a que Valter Hugo Mãe alude —e que eu também observei nos anos em que vivi em Tóquio— é, pelo menos em parte, fruto das tragédias da história japonesa.

    A cada novo terremoto, a cada novo bombardeio, a população japonesa, igualada pela destruição e pela miséria, teve de renegociar e redefinir os termos de sua organização social. Sempre achei que a harmonia do Japão derivava desse processo histórico e trágico de equalização.

    Todo espaço de convivência humana pressupõe aceitação e acomodação de diferenças. Não importa se se trata de um vagão de metrô em Tóquio, de uma praça pública em São Paulo ou de uma mídia social no cyberspace.

    Você pode até detestar esta contingência, mas, no Brasil, não se pode suprimir a diversidade humana e a pluralidade de opinião.

    Por isso, se não quiser viver isolado, melhor aprender a respeitar a opinião de pessoas desprezíveis, com quem não temos nada em comum, mas que, no entanto, têm direito —ou não têm culpa— de serem ignorantes ou equivocadas, assim como eu e você.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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