Álvaro Pereira Júnior

Copa tricolor

07/06/2014 02h00

Em 1970 era o Gérson, que honra, maestro canhoto em um time de solistas geniais, a torcida deste moleque de sete anos era para ele.

Em 1974 nem me lembro, mas 1978 tinha Zé Sérgio, ponta-esquerda veloz que só cortava para dentro porque chutava de direita, pena que nunca chegou a titular do escrete de Cláudio Coutinho.

Em 1982 era Serginho, então conhecido só assim, no diminutivo, hoje acrescido do sobrenome —ou seria epíteto— Chulapa. Serginho fez um de cabeça naquele 3 x 1 épico contra a Argentina. A equipe tinha também Waldir Peres, injustamente marcado pelo frango que levou de Bal, da URSS, no primeiro jogo da Copa, mas que fechou o gol contra os argentinos.

Daí para a frente nem me lembro direito, exceto que pedreira mesmo foi em 2006. Nosso único representante era o Mineiro, médio-volante, não exatamente um talento inesquecível. Ainda por cima banco, e daqueles bancos que quase nunca entram.

Não sei se os parágrafos acima deixaram claro, mas a mensagem deste texto é a seguinte: a seleção, eu acompanho, não seco nem desgosto. Mas torcer, torcer de verdade, só para o São Paulo. Ou para os jogadores do São Paulo que estão na seleção. Como Gérson em 1970, Zé Sérgio em 1978, Serginho e Waldir no time formidável de 1982 e, vá lá, Mineiro em 2006.

E, atenção, não basta ser qualquer atleta de estirpe tricolor. Se tiver sido ídolo no São Paulo, porém quando da convocação atuar em outra equipe (casos de Raí, já do PSG em 1994, e de Luis Fabiano, chamado em 2010 como atleta do Sevilha), a torcida não é a mesma.

De modo que neste ano a situação é sem saída: dos 23 convocados, só quatro jogam no Brasil, e nenhum deles veste as cores gloriosas do Soberano.

Para conseguir torcer, restaria apelar ao patriotismo, um daqueles sentimentos estranhos que a idade avançada pode trazer. Mas ainda não é o caso, e, mesmo que fosse, restaria uma pergunta incontornável: que jogadores são esses?

Antes de ver uma recente série de reportagens do "Jornal Nacional", apresentando um a um os 23 convocados, eu, e imagino que boa parte da população brasileira não-fanática por futebol internacional, não fazia a menor ideia de quem eram pelo menos 70% dos atletas.

Alguns dos quase anônimos, eu tinha embaçada noção de quem poderiam ser, como Willian e Luiz Gustavo. Mas de outros, antes da serie do "JN", jamais ouvira falar —Maxwell e Fernandinho, por exemplo.

A indústria do entretenimento como a conhecemos, moldada por Hollywood nos anos 1930 do século passado, se baseia no "star system". É uma estrutura bilionária que emprega centenas de milhares de pessoas, mas que só fica em pé graças a uns poucos astros que atraem os investidores e o público.

Isso vale para todo o espectro cinematográfico —desde os filmes mais comerciais, como as grandes franquias derivadas dos quadrinhos, até obras de experimentação, como o recém-lançado "Sob a Pele" (claro que o diretor, Jonathan Glazer, só conseguiu dinheiro e lançamento internacional para um projeto tão alucinado graças à exuberância da protagonista, Scarlett Johansson).

É por isso também que os programas de TV têm apresentadores (para que o público tenha a quem reconhecer e com quem se identificar). E que um jornal destaca na capa seus principais colunistas. Sem identificação, não há comunicação, poderia ter dito o Chacrinha.

Quase cem anos depois da invenção vinda de Hollywood, essa seleção de jogadores desconhecidos no Brasil leva a lógica do "star system" ao extremo. Aos olhos do grande público brasileiro, seu único astro, único mesmo, é Neymar, que brilhou muito por aqui antes de se transferir ao Barcelona. Quase todos os outros saíram muito jovens, alguns nem chegaram a ser profissionais no Brasil.

Dito tudo isso, o fato é que, para este colunista, pouca diferença faz. Conhecidos ou não, estrelas ou não, nenhum dos convocados joga no São Paulo. Mulheres, crianças e torcedores bissextos, a Copa é de vocês, aproveitem para se divertir. Estou na regressiva para o reinício do Campeonato Brasileiro. Morumbi vazio e gelado numa noite de quarta-feira, Muricy no banco, Ceni, Ganso e Luis Fabiano em campo. E eu em casa, vendo no "pay-per-view". Aí, sim.

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