Álvaro Pereira Júnior

A doutora do terror

27/09/2014 02h00

No corredor infinito que atravessa o campus, é rotina encontrar prêmios Nobel batendo papo ou caminhando de uma sala a outra com livros embaixo do braço.

Por ali fica também o Media Lab, há várias décadas um dos principais centro de estudos de tecnologia avançada em comunicação e ensino.

Não muito longe está o Instituto Whitehead, de pesquisa de ponta no combate ao câncer.

Pouca gente sabe, mas nessa instituição conhecida pela qualidade incomparável nas ciências exatas e biológicas, a área de humanidades também é de primeira linha.

Um dos maiores nomes da filosofia da ciência, Thomas Kuhn (1922-1996), foi seu professor titular. O polêmico linguista Noam Chomsky, aos 85 anos, é professor emérito.

A Sloan School, de Economia e Administração, é uma das mais fortes do mundo.

O incentivo ao conhecimento multidisciplinar é tão grande que um mesmo professor, Alan Lightman (autor do romance "Os Sonhos de Einstein"), chegou a ocupar, ao mesmo tempo, cátedras de literatura e de física.

Concorde-se ou não com a meritocracia americana, aqui ela funciona a mil. No questionário de admissão não existe a pergunta "Algum parente próximo seu já estudou aqui?". Quem entra é porque é muito bom, nada a ver com origem ou conexões.

Estamos falando, claro, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, mundialmente conhecido pela sigla em inglês, MIT, um centro de excelência admirado em toda parte.

Até hoje, o MIT sempre foi associado a tudo o que está descrito acima: ciência e tecnologia das mais avançadas, cobrança por produção de qualidade, atividade intelectual intensa. Civilização.

Nas últimas semanas, no entanto, teve seu nome ligado, de modo improvável, ao oposto de tudo isso: à barbárie niilista do Estado Islâmico.

Nos comunicados em que fazia exigências para libertar alguns de seus reféns (e que depois seriam decapitados), o EI, além de milhões de dólares, pedia a libertação da "nossa irmã, a doutora Aafia Siddiqui".

Quem? Praticamente desconhecida fora de seu país, o Paquistão, onde uma é "cause célèbre", Aafia Siddiqui está presa no Texas. Cumpre 86 anos por tentar matar agentes americanos em um posto policial no Afeganistão.

A misteriosa Aafia foi na adolescência uma estudante nota 10. Tão boa, e tão promissora, que deixou sua vida confortável de classe média alta no Paquistão para fazer faculdade nos Estados Unidos.

Nasceu em Karachi, onde terminou o ensino médio antes de emigrar para os EUA. Foi aceita pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts em 1992, depois um semestre na Universidade de Houston.

No MIT, formou-se em biologia. Depois seguiu para um doutorado em neurociências em uma uma universidade próxima, a Brandeis. No PhD, estudou mecanismos de aprendizagem. Colegas lembram de uma pesquisadora discreta, muçulmana conservadora, mas sem fanatismo.

Daí para frente, existe uma guerra de versões sobre o que Aafia fez ou deixou de fazer. Sabe-se que se casou com um anestesista paquistanês, que também morava nos EUA. E que, um pouco antes dos atentados de 11 de setembro de 2001, o casal foi interrogado pelo FBI por gastar R$ 25 mil em óculos de visão noturna e coletes à prova de balas. Alegaram que usariam para caçar e foram liberados.

Depois ela voltou à cidade natal, se separou, viajou várias vezes entre Paquistão e EUA até que, o mais estranho de tudo, despareceu em março de 2003, junto com os três filhos. Com base no depoimento de um líder preso da Al Qaeda, foi incluída na lista de terroristas mais procurados do mundo. Chegou a ser dada como morta.

Ressuscitou no Afeganistão, em 2008, quando foi presa portando documentos sobre três assuntos: explosivos, armas químicas e o vírus ebola, além de anotações sobre "um ataque em massa" contra os EUA.

Na delegacia afegã, aos palavrões, tentou matar seus interrogadores americanos. É por isso que foi levada aos EUA e condenada.

A irmã dela, uma neurologista treinada em Harvard, lidera uma campanha no Paquistão para provar sua inocência. Diz que tudo é armação dos americanos. Vai ter muito trabalho para provar essa tese.

Aafia Siddiqui não se encaixa no perfil típico de imigrante rejeitado pelo país onde foi viver, e que acaba voltando às raízes pela via do fundamentalismo. O MIT a aceitou, ela tinha tudo nas mãos. Ao que tudo indica, optou pelo terror.

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