Álvaro Pereira Júnior

Dilma - Aécio = 0

25/10/2014 02h00

Não tenho vida social, estou fora das redes e também não lido diretamente com jornalismo político. Assim, é pela imprensa que fico sabendo que existe uma radicalização barra-pesada nessa última reta de campanha.

Antigas amizades se desfazem, famílias sucumbem à discórdia partidária, amores entram em crises de variados graus. O pau quebra de norte a sul (mais no sul, é verdade). Adeptos de Dilma não se entendem com os seguidores de Aécio. Nas "timelines" das redes sociais, segundo me dizem, não há outro assunto que não as eleições.

A turma do PSDB martela a roubalheira na Petrobras, lembra do mensalão, pinta a inflação em alta e a economia paradona como demônios a serem exorcizados. A Aécio e Armínio Fraga, os padres Merrin e Karras da política brasileira, caberia a missão de purificar o Brasil do demoníaco PT.

Do outro lado, os fanáticos por Dilma atacam: Aécio só pensa nos números da macroeconomia (e não nas necessidades reais do povo), pertence ao mesmo partido que deixou São Paulo secar, vai governar para os ricos, é um filhinho de papai que nunca pegou no breu e parece aquele personagem da canção "We Both Go Down Together", dos Decemberists: "I come from wealth and beauty / Untouched by work or duty" (em tradução livre, "sou do dinheiro e da beleza / desconheço trabalho e dureza").

Vamos excluir quem se engaja nessa briga por grana e outros interesses inconfessáveis. Vamos pensar só em quem é movido por ideologia, ou pela simples torcida por um dos lados, ou mesmo porque tem muito tempo livre e encontrou nessa disputa uma causa que ocupe sua vida vazia.

Para que haja tanto acirramento e bate-boca, é porque muita gente acredita que Dilma e Aécio são radicalmente diferentes, representam posições inconciliáveis. Como Ptolomeu x Copérnico, Darwin x criacionistas, Marx x Feuerbach, Einstein x Bohr (no tema da mecânica quântica), The Clash x Yes.

Nessas horas, é bom ouvir quem está de fora. O acadêmico Michael Shifter, presidente da organização Diálogo Inter-Americano, publicou um artigo iluminador no site da revista "Foreign Policy", "A Ilusão da Eleição Brasileira". A tese: existem muitos mais semelhanças do que diferenças entre Dilma Rousseff e Aécio Neves.

Enquanto os adeptos fervorosos do PT e do PSDB se digladiam nos mundos físico e virtual, Shifter escreve: "Mais do que um conflito ideológico claramente definido, as divisões [entre Dilma e Aécio] são mais parecidas com as que separam o Velho Trabalhismo do Novo Trabalhismo."

É um paralelo entre o modelo do Partido Trabalhista inglês pré-Margaret Thatcher (umbilicalmente ligado a sindicatos e mais próximo da ortodoxia socialista), e aquele que surgiu depois dela, liderado por Tony Blair, que se distanciou da máquina sindical e mostrou-se mais amigável aos EUA e ao "mercado".

Shifter completa, avaliando os candidatos brasileiros: "Ambos querem crescimento e estabilidade, redução da pobreza, melhora dos serviços públicos e mais infraestrutura. Ambos já pediram melhores relações com os Estados Unidos".

Uma outra contribuição estrangeira veio do repórter Brian Winter, da agência Reuters. Ele foi a Belo Horizonte, onde nasceram os dois concorrentes, para decifrar a relação deles com a cidade. Relatou que Dilma, 66, e Aécio, 54, "cresceram a sete quarteirões um do outro, frequentaram o mesmo clube de tênis de elite, viram filmes no mesmo cinema e passearam pelas mesmas praças arborizadas nos anos 60".

Em seguida, destaca que os dois tomaram rumos diferentes (Dilma, o da guerrilha urbana de esquerda; Aécio, o da política conservadora, nos moldes do avô Tancredo). Mas também aponta coincidências entre esses filhos da elite mineira que permanecem até hoje. Por exemplo: Dilma estudou no mesmo colégio onde Aécio vai votar.

Seja qual for o vencedor, todos sabemos diante de quem ele terá de se ajoelhar: o PMDB de José Sarney, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. Sobre esse partido, um documento diplomático americano, vazado pelo WikiLeaks (e citado em um artigo da jornalista Miriam Wells, também no site da "Foreign Policy"), traz a seguinte definição: "[É um] um aparato arraigado de chefes regionais e redes de clientelismo, que se alimenta de participações em coalizões de governos federal e estaduais sempre que possível (...) Seus membros não são guiados por princípios, mas por avaliações fluidas de seus próprios interesses".

Para você que vota, boa sorte amanhã.

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