Álvaro Pereira Júnior

Parasita

14/03/2015 02h00

Estou diante de uma obra de arte? Ou será de um filme ridículo de ficção científica? Um longa-metragem profundo, que explora os extremos do terror e da ultraviolência? Ou só mais uma saga adolescente, um "Crepúsculo" "ersatz" banhado em sangue e membros amputados?

Larvas esverdeadas entram pelos ouvidos e narizes dos incautos. Vão até o cérebro, onde assumem o comando de pensamentos e ações. Entre as vítimas, um menino que mora em um sobrado espaçoso com a mãe. Ele não sucumbe 100%, mas seu braço direito ganha vida própria, parece de borracha, estica indefinidamente. Na palma da mão, surge um olho. Logo abaixo, uma boca. O braço fala.

Muito da ação se passa em uma escola. Uma professora de química, de longos cabelos negros, vaga pelos corredores com olhar vazio. Sua mente também foi invadida. Vemos que ela mora em uma mansão modernista. A casa, só concreto e linhas retas, tem todas as características do ilustre arquiteto Tadao Ando.

A professora e os homens que vivem com ela parecem jovens de respeito, mas são todos zumbis canibais.

"Rewind" no tempo. Em Sapporo, norte do Japão, faz um frio de congelar o sangue nas veias, mas as ruas fervem. É a semana do Yuki Matsuri, o festival da neve, o mais animado da quinta maior cidade japonesa. Vem gente de todo o país e até alguns estrangeiros. Um Carnaval subzero: neve no lugar de confete.

Final de tarde. Não são nem 17h, mas os raios de sol e o horizonte já formam um ângulo superagudo. No escuro, o frio fica ainda mais cortante. Penetra pelas camadas e camadas de roupas térmicas como se fossem feitas de papel de seda.

É preciso procurar abrigo. Um cinema, claro. Mas o que ver? Todos os filmes são japoneses. Não falo a língua. Não entendo os letreiros atrás da bilheteria. Nenhuma foto, nenhum cartaz para ajudar. A caixa só se comunica em japonês.

Não há o que fazer. Escolho o filme pelo horário: o único com uma sessão começando naquele momento. Mostro com os dedos o número da sala. Acho que era a quatro.

Compro o bilhete e corro para dentro. Antes de mergulhar no escuro, noto na entrada da sala um cartaz onde uma jovem contempla o horizonte. Atrás dela, um céu azul perfeito. Fico achando que entrei em um filme romântico para mocinhas. Paciência, pelo menos escapei do frio.

Sento em meu lugar. Som e projeção excelentes. Conforto sem exageros –a poltrona, ótima, é só uma poltrona, e não uma cama, como nos cinemas ridiculamente luxuosos que se espalham pelo Brasil.

Na tela, uma larva verde escapa da carga de um caminhão. De repente, diversas pessoas, dormindo em suas casas, são atacadas pelo verme. Acho que é só um trailer, mas as cenas se sucedem. Já é o filme! O cartaz da menina adolescente devia ser uma outra coisa qualquer, talvez uma próxima atração.

Aqui, não há romance: os humanos invadidos pelas larvas se transformam em monstros sanguinários.

Diante de um inimigo, suas cabeças se abrem. De dentro delas, saem tentáculos que degolam quem estiver por perto.

As referências mais claras são "Scanners" (1981) e "Videodrome" (1983), ambos de David Cronenberg, além de "Os Invasores de Corpos" (1978), de Philip Kaufman, e "A Mão" (1981), de Oliver Stone.

Mas são somente referências, porque nunca vi nada igual a este filme japonês. Começo a tomar notas desesperadamente, usando com discrição o celular. Foi graças a elas que consegui escrever esta coluna.

Não há limites para o horror na tela. Uma mãe mata o filho, uma filha arranca o coração do pai, dezenas de meninas são chacinadas em uma escola, um dos zumbis se torna político e passa a comandar uma turba neofascista.

O filme termina. Ninguém se mexe até o fim dos créditos. Agora, a maior surpresa. Antes de voltar para a noite gelada, ainda perturbado pelo que acabo de assistir, olho em volta e faço minha última anotação: "Acende a luz –crianças na plateia".

*

De volta ao Brasil, descubro que o filme se chama "Kiseijuu" (Parasita). É uma adaptação de um mangá dos anos 1980/90. Ótima recepção de crítica e público.

Aqui, mais explicações (em inglês) e o trailer: http://goo.gl/Q141FB. Veja e acredite.

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