Álvaro Pereira Júnior

Fora do Facebook

28/03/2015 11h42

Uma bomba atingiu o mundo das notícias esta semana: dois sites jornalísticos muito importantes, o sacrossanto "The New York Times" e o irreverente "Buzzfeed'', estão a ponto de liberar seus conteúdos para que sejam lidos dentro dos domínios do Facebook.

É uma revolução, uma profunda quebra de paradigma. Hoje, se o leitor clica em um link de notícia que aparece no Facebook, é levado para o site que originalmente produziu o material –o "Buzzfeed" e os próprios jornais "The NYT", "The Guardian", "El País", "G1", Folha etc.

O problema é que esse clique, que tira o usuário do "Face" e o transporta a outro site, leva tempo –nos EUA, onde a telefonia celular é decente, a média é de oito segundos. Para quem está vendo a notícia pelo telefone (e cada vez mais gente faz isso), é uma eternidade.

Proposta do "Feice": trazer a notícia para dentro dele mesmo e assim agilizar a parada. Isso significa um monte de coisas, mas a principal é que o produtor do conteúdo perde controle sobre quem está lendo sua notícia. As informações, estatisticamente tão relevantes, ficam na mão do Facebook.

É apavorante: a ubiquidade do FB supera os piores pesadelos distópicos. Na ficção de "1984", o poder absoluto do Grande Irmão se sustentava em um Estado totalitário.

Na realidade do século 21, é o próprio usuário que, alegremente, em ambiente "democrático", informa tudo sobre sua vida, seus hábitos e suas vontades. Uma assustadora ilusão de liberdade. Só não falo em alienação para não soar ainda mais demodê. Nem usuário do Facebook eu sou.

Deixando claro: não é exatamente que eu não tenha conta no "FB". Abri uma, há cerca de um ano e meio, para acompanhar uma polêmica surgida dentro da rede sobre o coletivo Fora do Eixo e a Mídia Ninja. Sem cadastro, não teria acesso aos textos. É um tema que me interessa, daí a concessão.

Ao me registrar, tomei o cuidado de não informar meu nome completo, nem a cidade onde moro. Zero informação. Imagino que nem com muita vontade alguém consiga me achar na rede social –e, pensando bem, que infeliz nesse mundo teria vontade de me achar?

Como, no Facebook, não tenho nenhum amigo (vida virtual e vida real se igualam), não consigo seguir absolutamente mais nada do que está acontecendo.

A grande maioria das pessoas, me parece, só libera seus perfis para os chegados. Fico fora do esquema. Até hoje, não me fez a menor diferença.

Mantenho distância dessa rede social porque, a meu ver, ela amplifica a níveis infinitos justamente as duas atividades que menos me interessam neste mundo:

1) Divulgar ao restante do planeta o que penso sobre todo e qualquer assunto e a quantas anda minha vida pessoal;

2) Ficar sabendo o que o restante do planeta pensa sobre todo e qualquer assunto e a quantas andam suas vidas pessoais.

Sempre brinco com colegas, meio a sério, que, se não consigo me interessar nem pela minha própria vida, que dirá pela dos outros. Assim, não acho que o Facebook seja meu lugar.

E falo em termos genéricos, sem tocar numa particularidade do "Feice" no Brasil: a pestilência do embate político sectário e da militância paga, que encontrou terreno fértil no esgoto virtual.

Sei, no entanto, que essa minha atitude distante se equilibra em uma premissa cada vez mais frágil: a de que existe uma distinção clara entre o mundo on-line e o mundo real. É uma linha divisória que está se apagando.

Surgiu um fio de esperança na época da polêmica sobre a cor de um vestido, há algumas semanas. Aquele que, para certas pessoas, parecia branco e dourado; para outras, preto e azul.

Essa história aparentemente tão banal "viralizou'' por causa do "Buzzfeed", que descobriu o caso no blog pessoal de uma convidada de um casamento e o transformou em uma notícia que rodou o mundo.

Entrevistado sobre a enorme repercussão, um alto dirigente do site declarou: "Dessa vez, o mundo da internet invadiu o mundo real". Fiquei contente: até alguém do "Buzzfeed'', um site tão moderno, admitia que mundo on-line e mundo real são coisas diferentes.

Mas a alegria vai durar pouco: a mudança é avassaladora. Facebook e vida unidos em um plasma inseparável. Melhor ficar longe disso–só espero que seja possível.

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