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    Ana Estela de Sousa Pinto

    O papa Francisco e a cracolândia

    26/06/2017 02h00

    Alessandra Tarantino - 11.abr.2017/AP Photo
    Giuseppe, 53, puts clothes inside a washing machine in a laundry opened in the Sant' Egidio Community Center in Rome, Tuesday, April 11, 2017. Pope Francis has opened a new laundromat for the homeless to wash, dry and iron their clothing and blankets. The laundromat, not far from the Vatican, has six washing machines, six dryers and several ironing boards and irons. (AP Photo/Alessandra Tarantino) ORG XMIT: ALT104
    O sem-teto Giuseppe, 53, lava roupas em lavanderia aberta pelo papa Francisco em Roma

    A travesti me abordou na entrada do café na rua Helvetia.

    "Oi, linda, me dá R$ 8?"

    "R$ 8? Por que não R$ 5 nem R$ 10?"

    "É que eu quero tomar um banho. Custa R$ 8."

    A moça levantou um problema que, soube depois, o papa Francisco tinha resolvido.

    Quem mora na rua não tem onde tomar banho nem lavar as roupas.

    Os R$ 8 que vão chuveiro abaixo pagariam almoço e janta por quatro dias seguidos num restaurante Bom Prato, do governo do Estado.

    Como não há nem dinheiro nem torneiras sobrando por aí, os sem-casa estão condenados a andar sujos e a cheirar mal.

    Daí para que eles sejam considerados exemplo da degradação do centro de São Paulo é um pulo.

    Nas dezenas de entrevistas que fiz neste mês sobre a cidade, quase todos atribuíram aos mendigos a imagem ruim da região.

    Mas quem realmente vive ou trabalha no centro logo faz a ressalva: "É mais a sensação, nunca tive problemas; na segunda noite, a caminho do estacionamento, já estavam cumprimentando".

    Mesmo sem motivo real, o medo é causa concreta da dificuldade de revalorizar o centro.

    Para poder andar pela cidade e contemplar o que ela tem, "é preciso diminuir um pouco a atenção e voltar o olhar mais para a observação", disse em entrevista à Folha Fabio Luchetti, presidente da Porto Seguro,

    O grupo, cuja sede fica a duas quadras da cracolândia, abriu teatro e espaço cultural na região e criou uma associação para melhorar o bairro.

    "O estereótipo do usuário de drogas ou morador de rua também é deteriorado. Mas acaba criando um clima de insegurança que não estimula o indivíduo a querer curtir e estar lá."

    Não é difícil imaginar como esse estereótipo perderia força com mais água e sabão .

    Foi o que fez o papa Francisco: há dois anos, abriu banheiros gratuitos, com chuveiro. Em abril deste ano, uma lavanderia com seis máquinas de lavar e secar roupas, detergente, ferros de passar e amaciante, de graça.

    Por aqui, alguns tanques, sabão em barra e um varal já bastavam.

    Não para resolver o complexo problema dos moradores de rua e muito menos o dos usuários de drogas, mas trariam mais saúde e bem-estar.

    Assim como gentileza gera gentileza, bem-estar gera bem-estar. Desarma os ânimos, reduz a desconfiança e pode ser um primeiro pequeno passo para trazer mais vida à região.

    ana estela de sousa pinto

    É repórter especial. Na Folha desde 1988, já trabalhou em política, ciências, educação, saúde e fotografia e foi editora de 'Mercado'. É autora de 'Jornalismo Diário', 'A Vaga É Sua' e 'Folha Explica Folha'.

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