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    André Singer

    A perspectiva da oposição

    09/03/2013 03h30

    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é o principal formulador do pensamento oposicionista no Brasil. No domingo passado, compôs notável síntese de como o PSDB vê o futuro do país ("Sem disfarce nem miopia", "O Estado de S. Paulo", 3/3).

    Em primeiro lugar, chama a atenção a maneira desapegada, fria e realista com que FHC enxerga 2014. Elemento oculto, mas de fácil apreensão nas entrelinhas do artigo, percebe-se que ele não acredita em vitória já. A disputa para valer foi transferida para 2018, quando o Brasil provavelmente precisaria optar por aderir ou não à onda de crescimento capitalista cujos sinais, distantes, "já se veem no horizonte".

    Até lá, será preciso esperar que amadureçam as condições externas e internas, o que também explica a opção por uma candidatura jovem como a de Aécio Neves.

    No front nacional, "por hora, o trem não descarrilou" e "enquanto a China puxar as exportações de matérias-primas e de alimentos, tudo vai se arranjando". Mas, como o governo afrouxou a santíssima trindade do real (metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal), a deterioração torna-se inevitável, vindo a aparecer, "em prazo mais longo", na forma de vulnerabilidade externa.

    Na frente internacional, o ex-mandatário prevê uma rearrumação em que os EUA liderarão um bloco capaz de competir com o ascendente poder sino-asiático. Fazendo uso de sua conhecida capacidade de entender o funcionamento geral do sistema, o antigo professor da USP cita Schumpeter para mostrar como as inovações que movem a economia já se fazem sentir. Mesmo na vigência da crise geral, a descoberta de nova tecnologia para extrair gás e petróleo do xisto é exemplo do que vem por aí.

    Estariam, assim, na confluência futura dessas vicissitudes internas e externas as melhores chances da oposição. Tal como se deu 20 anos atrás, quando o próprio Cardoso implantou o plano de estabilização, em sua opinião deve-se abrir mais adiante uma janela mundial de oportunidade para o Brasil. Ela seria aproveitável só se o Brasil se ajustasse outra vez à globalização.

    O ex-mandatário afirmou que a globalização é "a maneira contemporânea de organizar a produção com base em novas tecnologias e novas normas", e não uma ideologia --o neoliberalismo--, como pensou, no passado, o PT.

    Goste-se ou não, aí está o melhor resumo do que propõe à alternativa de poder realmente existente hoje no país. Sobre o cortejo de desigualdade, barbárie e destruição que essa "maneira contemporânea" acarreta, nenhuma palavra. Mas, se as houvesse, não seria o manifesto da oposição.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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