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    André Singer

    Destino político

    16/08/2014 02h00

    O súbito desaparecimento de um homem jovial como Eduardo Campos, cheio de vitalidade, bem-humorado, de trajetória democrática e que transmitia ter uma vida familiar rica, assim como o de seus colaboradores –de aparência simpática e juvenil para os padrões institucionais brasileiros–, representa um choque em si. Numa hora dessas, acima de outras considerações, a comoção e a solidariedade comandam.

    Quis o destino –entendido aqui como os fatos alheios à vontade de cada um e que impõem determinado rumo às coisas– repor a situação criada em outubro de 2013, quando a Rede Sustentabilidade teve rejeitado o registro partidário. Na última hora, em manobra inesperada, engenhosa e de risco, Marina Silva escolheu filiar-se ao PSB e permanecer como alternativa à Presidência. Como escrevi à época, só para apoiar Campos ela não precisava ter assinado ficha no partido fundado por Miguel Arraes.

    Devo reconhecer, contudo, que ao contrário da expectativa expressa na mesma coluna, até a morte de Campos inexistiram pressões para que a ex-senadora assumisse a cabeça da chapa. Apesar de ter aparecido com 27% das intenções de voto no Datafolha de abril, enquanto Eduardo tinha apenas 14%, consolidou-se de maneira suave a condição dele à frente e ela como vice.

    Suponho que a solidez do acordo inicial fixado entre ambos –e deve-se reconhecer que respeitar acordos traz confiabilidade– bem como a unidade da burguesia em torno de Aécio Neves explicam por que a lógica eleitoral não prevaleceu. Afinal, a candidata com maior potencial de votos ficou em posição secundária, deixando o protagonismo para aquele que parecia orientado a um desempenho majoritário só em 2018.

    De repente, o inexplicável acidente aéreo reembaralhou as cartas e colocou Marina Silva outra vez a um passo da candidatura. Caso o provável aconteça, três consequências se desenham. Para começar, as intenções de votar branco e nulo deverão fluir para ela, que tem dado ênfase à necessidade de renovação política. Com isso, torna-se menos provável que o pleito se resolva em um turno só, o que prejudica Dilma. Em segundo lugar, ficará mais apertada a disputa pela vaga de opositor a Dilma Rousseff na rodada final, o que prejudica Aécio.

    Por fim, é possível que perto do 5 de outubro eleitores que desejem derrotar o governo tentem calcular quem terá mais chance de vencer o lulismo na segunda volta. Por ter-se colocado ao centro, Marina aufere vantagem na equação. É mais fácil um tucano optar por ela, tendo em vista o objetivo maior de destronar o PT, do que um marinista optar por Aécio pelo mesmo motivo, pois o grau de oposição encontra-se menos acirrado nas hostes verdes. A conferir.

    avsinger@usp.br

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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