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    André Singer

    Fratura popular

    06/09/2014 02h00

    A polarização entre Dilma Rousseff e Marina Silva provocou um fracionamento no universo popular, com associações ideológicas do maior interesse. A separação entre os que valorizam o papel do Estado (PT) e os que defendem uma visão liberal (PSB/PSDB) encontrou, ao que parece pela primeira vez, correspondência nas formas de pensar do chamado povão.

    O pensamento do núcleo duro da base lulista foi bem capturado em texto de Marcelo Coelho (Painel do Eleitor, "Poder", 3/9). "Se Marina ganhar, vira tudo", disse ao colunista o entrevistado Mário Romão da Silva, pernambucano, 70 anos, que mora numa casa quase sem móveis e com uma TV de tubo em Barueri (SP). A mulher de Mário, Teresa, afirmou não gostar de Marina e aprovou quando Dilma perguntou à ex-senadora, no debate de 1º/9, de onde tiraria o dinheiro para cumprir as promessas de investimento social.

    Não por acaso, uma das filhas de Mário e Teresa recebe a Bolsa Família. É sabido que eleitores cujas famílias são diretamente beneficiadas pelos programas federais tendem a votar nos candidatos lulistas. A novidade é o grau de alerta e consciência em relação ao que significaria uma vitória liberal na eleição de outubro.

    Na mesma vizinhança social pode-se encontrar interessante retrato da vertente popular marinista. Em reportagem de "Época" (1º/9), assinada por Vinicius Gorczeski e Aline Ribeiro, aparece Vanessa Brito, 33, que há dois anos pulou de vendedora de uma empresa internacional de cosméticos para proprietária de um salão de beleza perto da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Vanessa mudou-se para um apartamento de três quartos, com TV LCD, e está aflita porque, no último período, o seu faturamento caiu 20%. Pretende votar na candidata do PSB.

    Faz sentido que Mário e Vanessa se inclinem para lados diferentes nesta eleição. O primeiro tem a sobrevivência dos familiares auxiliada de maneira direta pelo Estado e sabe que a derrota de Dilma representa uma ameaça à continuidade do projeto que sustenta tal ajuda. A segunda extrai a sua renda de uma pequena atividade empresarial, o que a coloca na posição de poder se identificar com as soluções privatistas que Marina representa.

    Os personagens acima não esgotam a diversidade da ampla classe trabalhadora do Brasil. Ao redor de Mário e Vanessa há um conjunto de indecisos que irão definir o destino desta eleição. Parte deles é composta, por exemplo, de jovens assalariados do setor de serviços que adquiriram, na última década, maior escolaridade que os pais. Eles estão sendo chamados a fazer uma escolha entre o que o Estado já lhes proporcionou e o que o mercado promete lhes proporcionar.

    Serão semanas eletrizantes.

    avsinger@usp.br

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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