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    André Singer

    Qual mandato?

    18/10/2014 02h00

    Entramos na reta final do pleito de 2014 com o eleitorado dividido. De um lado, há uma base firme, constituída pela metade mais pobre, alinhada com a candidata do PT. De outro, formou-se em torno do candidato do PSDB uma coalizão, ampliada pelas dificuldades econômicas dos últimos anos, cujo núcleo é a classe média tradicional.

    Divisão está na essência do processo democrático. Situações de pensamento único contradizem o princípio da disputa livre. Mas, quando o corpo eleitoral se separa em partes equivalentes, o resultado tende a um impasse, o qual precisa ser bem compreendido, sob pena de atribuir-se ao sistema político um problema que pertence à própria sociedade.

    Por dois motivos complementares, o equilíbrio de votos produz uma tendência paralisante. O primeiro diz respeito à campanha. À medida que percebem o racha na base, os candidatos tendem a diluir as diferenças programáticas, de modo a alienar o menor número de apoios possível de indecisos que estão entre um e outro. Daí o fato inédito de os concorrentes terem evitado publicar até aqui documentos detalhados com propostas.

    A presidente Dilma Rousseff, por exemplo, ao falar em "governo novo, ideias novas" e comunicar a saída de um símbolo da condução adotada até aqui, o ministro Guido Mantega, procura agradar setores insatisfeitos com o quadro atual. Na realidade, para os trabalhadores, o melhor seria retomar e aprofundar a tentativa desenvolvimentista de 2011-2012, na qual Mantega se destacou e Dilma mostrou coragem. Mas como defendê-lo de maneira aberta, quando os indecisos acham que é preciso "mudar" e não "retomar"?

    A segunda razão de paralisia diz respeito aos riscos após uma escolha apertada nas urnas. Sabendo que conta com a oposição de metade do país, quem vencer terá de ter mais cautela do que já precisa em quaisquer circunstâncias.

    Por exemplo, se for eleito, Aécio Neves terá que moderar em algo o tamanho do ajuste recessivo que pretende fazer, pois percebe que boa parte dos eleitores rejeita tais medidas e que 2018 está logo aí. Por isso, a participação do seu eventual ministro da Fazenda, Arminio Fraga, em debate com Guido Mantega na GloboNews (9/10), foi objeto de crítica por parte do "Financial Times". O grande capital financeiro internacional deve achar que Armínio estava, et pour cause, comedido naquela ocasião pré-eleitoral.

    Assim, o equilíbrio nos votos produz indefinição, soluções compostas, meias-medidas. Para que haja maior velocidade, em uma ou outra direção, a (o) presidente precisa receber das urnas um mandato mais claro, apoiado sobre maioria ampla e compacta, o que não se prenuncia desta vez. Democracia requer paciência.

    avsinger@usp.br

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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