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    André Singer

    Operação à italiana

    22/11/2014 02h00

    Antes de mais nada, convém fixar duas premissas que, embora óbvias, devem ser explicitadas desde logo.

    1) O presente escândalo da Petrobras, em volume de dinheiro movimentado, parece superar a longa série dos até aqui expostos ao conhecimento público no Brasil.

    2) Nada justificaria obstaculizar, nem mesmo as possíveis motivações eleitorais que tenham estado por trás do seu timing, a investigação criminal e o devido julgamento, com amplo direito de defesa, dos implicados no esquema.

    Isto posto, convém guardar algumas cautelas com relação aos desdobramentos especificamente políticos do episódio. De acordo com o reportado pelo jornalista Mario Cesar Carvalho (Folha, 15/11), o modelo dos investigadores é a Mãos Limpas, realizada na Itália no começo dos anos 1990. Como se recorda, naquele país o sucesso da operação acabou por destruir o cerne do sistema partidário, provocando a ascensão de Silvio Berlusconi.

    Se os velhos e enraizados partidos italianos pulverizados pela Mani Pulite tivessem sido substituídos por agremiações menos corruptas e mais representativas, a Itália teria se convertido no farol das democracias ocidentais. Mas aconteceu o contrário.

    Meses atrás, o historiador Perry Anderson escreveu que hoje "a Itália [...] oferece o espetáculo mais conhecido de todos os teatros de corrupção do continente, e sua personificação mais celebrada: Silvio Berlusconi" ("Piauí", agosto/2014).

    Por que uma investida profunda, generalizada e bem-sucedida contra corrompidos e corruptores acabou por gerar o oposto do esperado? O assunto é complexo, mas um dos elementos a ser levado em conta é o descrédito que atinge o conjunto das instituições quando às revelações de corrupção sistêmica não se seguem reformas capazes de aprofundar e ampliar a democracia.

    Dou exemplo para tornar o ponto mais claro. Não adianta desbaratar esta ou aquela rede de propinas, por mais vasta que seja, e não mexer nos custos de campanha. Enquanto os comitês eleitorais usarem verdadeiras fortunas para produzir filmes publicitários em quantidade e qualidade suficiente de modo a preencher o horário eleitoral com padrão hollywoodiano, o dinheiro vai sair de algum lugar.

    Outras fontes suspeitas de financiamento terão que se formar. O resultado, então, é um rápido aumento do cinismo no eleitorado. Convicto de que a política seria na essência desonesta, o cidadão opta por votar em candidatos que, de algum modo, expressam o seu próprio desprezo pelas instituições.

    A Lava Jato precisa seguir. Mas se não formos capazes de agenciar uma reforma política racional, objetiva e consistente para responder ao que ela expõe, temo pelas consequências a longo prazo.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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