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    André Singer

    Solidão

    21/03/2015 02h00

    Uma das coisas mais engraçadas em situações de crise é a quantidade de gente que aparece com soluções lógicas, perfeitas e completamente inúteis. Ocupantes da Presidência recebem centenas de sugestões do tipo. Até que, cansados, resolvem se recolher a certa solidão voluntária. Aí são acusados de "não ouvir ninguém".

    No caso de Dilma Rousseff, no entanto, há um quadro diferente. A presidente tem perfil oposto ao do que a antecedeu. Lula é excelente mediador. No futebol, funcionaria como os armadores que Tostão cobra aos times brasileiros. Usa a ambiguidade e a conversa para articular posições distantes nos sistemas político e econômico, achando pontos de contato inesperados, que preenchem vazios insuspeitos.

    Já Dilma opera de maneira imperial. Começou como a mandatária da faxina. Em seguida, enfrentou, de maneira heroica, diga-se de passagem, o setor financeiro, entre 2011 e 2012. Na sequência, tentou controlar a taxa de lucro nas concessões. Depois, da mesma maneira categórica, decretou a reforma do setor elétrico e reduziu os preços da energia elétrica para o começo de 2013. A intenção era a melhor possível: moralizar e criar as condições para a reindustrialização do país com distribuição de renda. Aplausos.

    Só que não percebeu o vazio que se abria a seus pés. Afrontou interesses de porte –partidos da base, grande capital financeiro nacional e internacional, empresas do setor energético etc.– sem se ocupar de reunir tropa suficiente para apoiá-la quando viesse o troco, o qual viria, cedo ou tarde. Fiando-se em voláteis índices de popularidade, forçou Lula a lançá-la candidata pela segunda vez em fevereiro de 2013.

    Logo depois do lançamento, os sinais se inverteram, pois o 15 de março de 2015 já estava contido no junho de 2013. Embora junho envolvesse, de maneira contraditória, também uma interessante mobilização de esquerda –que poderia ter-se aproximado da presidente se ela tivesse explicado o que estava a fazer– as manifestações de 2013 foram a oportunidade que a direita esperava desde 2005 para chegar às ruas. Além disso, e talvez mais importante, indicaram que havia um novo centro irritado com a situação.

    O Datafolha de terça (17) comprovou que 70% dos 210 mil presentes na avenida Paulista domingo passado pertenciam a estratos de renda elevados para padrões brasileiros. Dava, portanto, apesar do tamanho do protesto, esperança a Dilma. Porém, no dia seguinte, a chama esvaneceu: o instituto mostrava que a desaprovação do governo na metade de baixo da pirâmide de renda praticamente não se distingue da mais alta, considerando-se o conjunto do eleitorado.

    Para tal encrenca, inexistem saídas simples. Agora, a solidão virou coisa séria.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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