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    André Singer

    O mundo não acabou

    23/05/2015 02h00

    Maio entra na reta final sob o signo de alguma rearticulação no campo progressista da política brasileira. Depois do atordoamento provocado pelo que parecia a tempestade perfeita dos primeiros meses do ano, surgem sinais de vida no lado esquerdo do espectro ideológico. O gesto emblemático foi feito pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ), ao se erguer contra a MP 665, a qual, entre outros cortes, restringe o acesso ao seguro-desemprego no momento em que ele se torna mais necessário, e pedir a saída do ministro da Fazenda. A resistência dos senadores obrigou a Casa a postergar a votação.

    É possível que a enorme pressão que desabou sobre o parlamentar carioca o faça hesitar na batalha que se anuncia para a próxima semana, mas a sua atitude corresponde a um sentimento espraiado em setores significativos do Partido dos Trabalhadores. Sem abrir mão da responsabilidade de sustentar Dilma Rousseff, vista com calorosa simpatia na sigla, cresce a rejeição ao pacote liderado por Joaquim Levy.

    Não por acaso, o ex-governador Tarso Genro, junto com um dos dirigentes da esquerda petista, Valter Pomar, decidiu assinar manifesto "pela mudança da política econômica e contra o ajuste", o qual embasou a resistência à MP no Senado. Poucos dias antes, Tarso havia insinuado que poderia apoiar o candidato Marcelo Freixo, do PSOL, a prefeito do Rio de Janeiro no ano que vem, num passo voltado para a formação de frente ampla com vistas a recompor o campo mais afetado pela ofensiva conservadora de 2015. À insinuação do ex-ministro da Justiça de Lula seguiram-se especulações de que ele sairia do PT. Tarso negou a saída, reafirmando pertencer a um bloco minoritário da agremiação que já presidiu.

    Embora posições como as de Genro, de fato, não correspondam às resoluções oficiais do PT, à medida que a base sindical começa a sentir o perigo de demissões em massa opera-se um deslocamento na ecologia interna petista. Note-se que o ex-presidente Lula afirmou, na mesma quarta-feira em que o manifesto firmado por Tarso e Pomar repercutia no Parlamento, que as MPs tinham "defeitos", os quais poderiam ser "corrigidos" por negociações com os trabalhadores. Convém lembrar, igualmente, que foi Lula quem abriu a porta para a candidatura de Lindbergh a governador do Estado do Rio, pouco tempo atrás.

    Nada disso implica que haverá, de imediato, uma reviravolta, seja na orientação geral da economia, seja na correlação de forças estabelecida no Congresso, a qual desfavorece a esquerda. Mas aos poucos parece reconstruir-se um polo alternativo à orientação neoliberal. Caso tenha êxito, ajudará a preservar tanto a classe trabalhadora quanto a própria vitalidade da democracia no Brasil. Veremos.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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