• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 19:57:04 -03
    André Singer

    Turbulência programada

    11/07/2015 02h00

    Pela segunda vez neste ano, passamos por zona de turbulência. Entre fevereiro e abril a aeronave balançou ao som das ruas. Aos poucos, ficou claro que não estava em marcha movimento popular pelo impeachment. As fortes demonstrações de rua, sobretudo as de 15 de março, desejavam demonstrar repúdio à presidente, o que é diferente de tentar derrubá-la. O governo respirou.

    No final de junho, a fonte de instabilidade passou a ser o Parlamento, o que dá sabor de golpismo institucional à agitação. As avenidas estão em paz, mas desde os gabinetes legislativos volta-se a falar na queda da presidente. Poderemos ir assim até 2018, a depender da economia, o que agradaria sobremaneira à oposição. Daí ser urgente estancar a recessão e voltar a crescer.

    A base para a especulação atual é, de um lado, o requerimento que o TCU (Tribunal de Contas de União) expediu ao Executivo e, de outro, as referências do empresário Ricardo Pessoa a doações na última eleição presidencial. Sobre a primeira iniciativa, reitero o que escrevi em 20/6: padece de evidente artificialidade, dado o caráter político do órgão que a tomou. A respeito da segunda, cabe análise mais detida.

    A delação premiada de Pessoa, dono da construtora UTC, toca em um fio desencapado do circuito político. Ao misturar contribuições para a campanha de 2014 com o escândalo da Petrobras, lança suspeição sobre o entorno da presidente. Embora nenhuma suspeita atinja a mandatária em si, cria-se névoa desconfortável ao seu redor.

    Pelas dimensões alcançadas, não se deve minimizar a Operação Lava Jato. O PT precisa abordar o problema de frente e fornecer respostas convincentes a respeito. Se for preciso assumir erros e reparar culpas, melhor fazê-lo do que esconder a cabeça na areia. O partido é importante demais na democracia brasileira para deixar-se cobrir pela imagem de conivente com a corrupção.

    Mas, isto posto, é preciso assinalar que há, também, uso distorcido do material levantado pelas investigações. Os repetidos vazamentos de trechos selecionados para criar dificuldades ao governo jogam a sombra da dúvida sobre a intenção dos investigadores. As longas prisões preventivas, com o objetivo de obter colaboração na forma de denúncias recompensadas, são recurso que obriga ao escrutínio cuidadoso dos relatos resultantes.

    Na semana que vem, Pessoa deverá depor perante o Tribunal Superior Eleitoral. Vamos ver se confirma o que foi vazado e, caso o faça, que provas apresenta. Seja como for, haverá um longo processo, com direito a defesa, contraditório e recursos, como é esperado no Estado de Direito. Aguardemos. Enquanto isso, dou férias ao leitor. Volto em 8 de agosto.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024