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    André Singer

    A chance da grande política

    29/08/2015 02h00

    "Com crise, favelas ressurgem em São Paulo", estampava manchete do "Cotidiano" (Folha, 25/8). Aos poucos, fica claro que o aprofundamento das atuais dificuldades políticas e econômicas poderá colocar em risco avanços democráticos e sociais obtidos com muito esforço desde o fim do regime militar. O golpismo, que tomou conta de alguns corações e mentes em setores médios, e o recuo no lento combate à pobreza, se não forem coibidos, cobrarão alto preço no futuro.

    As classes fundamentais –empresários e trabalhadores– já entenderam que se trata de situação de emergência e que derrubar Dilma não resolverá o problema. Um governo Michel Temer, em caso de impeachment, ou Aécio Neves, provável ganhador de uma eleição antecipada, hoje tentariam executar o mesmo programa em curso e padeceriam de semelhantes problemas: falta de base popular e parlamentar.

    Agora cabe à política construir pontes onde só parece haver abismo para tornar realidade os consensos que vão se formando no plano social. É a hora nobre da política, o momento em que ela funciona como estágio superior tanto da economia quanto da sociedade. O lugar onde os nós górdios efetivamente são cortados.

    Percebendo essa necessidade urgente, o ex-ministro Bresser-Pereira (Folha, 20/8), ecoando o filósofo Marcos Nobre, propôs um pacto mínimo em torno de apoiar a Lava Jato e afastar a ideia de impeachment. Creio ser necessário acrescentar um ponto: encerrar a recessão. Percebo crescente consenso ao redor de garantir a autonomia para o trabalho da Justiça, da PF e do Ministério Público, da continuidade do mandato de Dilma e de estabelecer um horizonte para a retomada do crescimento.

    Costurar esse acordo não será tarefa simples. O recente afastamento entre a presidente e o seu vice é bom exemplo das dificuldades. Aceitemos como verdadeira a explicação de Temer, que afirma ter sido "honesto demais" ao dizer que "alguém" precisava unificar o país. Ocorre que o vice de uma presidente ameaçada de impeachment não poderia dizê-lo nunca. Ao falar, enfraquece a mandatária que deveria ajudar. Erro primário para alguém experiente e cuidadoso.

    Por outro lado, Dilma deveria ter passado por cima da derrapada do colega de chapa e mantê-lo próximo, mesmo que desconfie das intenções do mesmo. Rousseff parece ter-se deixado vencer pelo orgulho compreensivelmente ferido. Mas é inútil, pois não haverá estabilidade sem o PMDB.

    Segundo escreveu Bresser, "temos excelentes políticos que sabem que a política é a arte do compromisso e que se sentem responsáveis pelos destinos da nação". Espero que esteja certo.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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