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    André Singer

    Novos atores

    17/10/2015 02h00

    Mistura de fortuna maquiavélica e de mecanismos institucionais previstos abriu a Dilma Rousseff a chance rara de chamar novos personagens à cena. A sorte veio soprada por procuradores da Suíça. Como numa peça de Shakespeare, às vésperas da deflagração do impeachment, elfos suíços complicaram o enredo com supostas provas de desvio de milhões de reais em direção ao presidente da Câmara.

    O Supremo Tribunal Federal (STF), por seu turno, em exemplo paradigmático (a ser usado em sala de aula) sobre a função dos contrapesos implícitos na divisão de poderes, bloqueou de vez a marcha golpista. No entanto, trata-se só de parada técnica. O imbróglio do impedimento vai retornar, de um modo ou de outro.

    Enquanto a confusão armada em torno das falsas pedaladas segue o ritmo lento determinado pelos freios institucionais, Dilma precisa aproveitar o tempo para conversar com a sociedade de modo a construir um pacto que possa repercutir dentro do próprio Congresso. Jaques Wagner e Ricardo Berzoini devem cuidar da costura parlamentar para obter alguma governabilidade imediata. Mas se a presidente não for capaz de incluir a planície no jogo, será difícil uma solução de médio prazo.

    Tome-se a questão da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), proposta pelo Executivo como saída intermediária para o quadro fiscal. Por meio da CPMF, Dilma procura não fazer todos os cortes a que está sendo pressionada, os quais colocariam em risco programas sociais centrais. Mas é patente que hoje conta com pouca chance de reunir os 308 votos necessários para aprová-la na Câmara dos Deputados.

    A saída está em construir um consenso por fora, que qualifique o debate legislativo. A entrevista do industrial Israel Klabin à Folha (12/10) mostra que há empresários favoráveis à volta da CPMF, desde que por apenas "três ou quatro anos". "Se for aprovada, a partir do ano que vem, teremos uma inflação relativamente controlada e o lado macroeconômico administrado", afirmou o industrial.

    Os sindicalistas, por seu turno, estão ansiosos por conversar, a julgar pelas repetidas manifestações da Central Única dos Trabalhadores (CUT) nesse sentido. Eles aceitam a CPMF, desde que fosse possível isentar as camadas de renda mais baixas.

    Em outras palavras, capitalistas e trabalhadores, que apontam para perspectivas diferentes em quase todo o resto, poderiam concordar nesse ponto crucial para Dilma, pois a ambos interessa encerrar a recessão o quanto antes. Se Dilma não usar este momento para trazer novos atores ao palco, vai se ver de novo, mais dia menos dia, sozinha no meio de um enredo golpista desesperado e desesperante.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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