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    André Singer

    Terra em transe

    14/11/2015 02h00

    Olhar para a eleição argentina do próximo fim de semana ajuda a colocar a crise brasileira em perspectiva. Apesar de existirem diferenças importantes entre os países, a dificuldade do kirchnerismo guarda pontos em comum com a do lulismo. Mesmo que, ao final do processo, ambos consigam vencer os respectivos desafios –o que é possível–, parece estar chegando ao fim a etapa menos competitiva do confronto sul-americano.

    O que esperar da fase que virá? Creio que se desenham duas hipóteses, cuja predominância implica destinos diferentes para a região. Na primeira, as opções populares construídas ao longo das últimas duas décadas seriam varridas do mapa por nova onda neoliberal. Na segunda, os setores que se alinharam aos governos mais ou menos progressistas permanecem como alternativa estruturada de poder.

    Como lembra o cientista político argentino Atilio Boron, desde que Hugo Chávez ganhou o pleito venezuelano em 1998, os governos progressistas da Venezuela, Argentina e Brasil nunca perderam nas urnas em pleitos para o executivo nacional. O problema não está em perder uma eleição, porém, sim, em como perder. Alternância no poder é parte inevitável da democracia, a questão é a qualidade da oposição que resulta da derrota.

    Os elementos populistas presentes na experiência destas décadas ficam claros até na aplicação dos nomes próprios –chavismo, lulismo, kirchnerismo– ao sentido das políticas adotadas. Antes que alguém me acuse de criticar termo que eu mesmo sugeri, esclareço que o fiz como tentativa de esclarecer a natureza do que estava em curso e não como elogio ou propaganda. Sempre destaquei que se tratava de articulação vertical, vinda de cima para baixo, com as naturais consequências.

    Uma delas é a dificuldade de organização pela base. A outra, de institucionalização partidária. Com isso, a derrota eleitoral pode significar o derretimento do que se estabeleceu no período anterior, sem que forças sólidas de oposição sejam capazes de barrar o desmonte dos avanços igualitários obtidos, em que pesem as limitações de cada experiência.

    É claro que, apesar das identidades, cada caso é um caso. Na Venezuela, houve a criação de brigadas populares; no Brasil, o PT é bem organizado e institucionalizado; na Argentina, o peronismo possui longa história de sobrevivência aos percalços de disputas sempre polarizadas. Goste-se ou não –neste caso é o de menos–, esses elementos ajudarão a definir se a próxima etapa será de consolidação das democracias da região ou de confusão generalizada. Em sociedades tão desiguais, a ausência de partidos populares consolidados tende a desestabilizar o processo.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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