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    André Singer

    Vitória decisiva

    28/11/2015 02h00

    Do ponto de vista analítico, uma forma de compreender os últimos acontecimentos é imaginar que assistimos à extensa conflagração. De um lado, estariam os Cavaleiros da Justiça, o que inclui a Polícia Federal e o Ministério Público. De outro, o Complexo Político-Empresarial.

    As prisões da última quarta-feira representam o fim de longa batalha. Nesta refrega, houve a vitória inconteste do primeiro time. E é possível que, vencido o obstáculo representado pela confissão de Nestor Cerveró, a guerra entre na fase decisiva.

    A julgar pelo conteúdo desfiado pelo líder do governo na conversa gravada, Cerveró parece figura chave do conflito. Ao tratar da possível delação premiada do ex-diretor da Petrobras, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) lista boa parte da República. Embora o PT continue no centro do escândalo, figuras do PMDB e do PSDB são citadas em profusão, além de partidos menores.

    Pode-se deduzir que, embora estratégico, por ter sido o primeiro, o depoimento de Paulo Roberto Costa não foi suficiente, do ponto de vista da turma da Justiça, para estabelecer os fios que desejam revelar. Como um terceiro diretor preso, Renato Duque, mostra-se resistente à cooperação, Cerveró acabou por se tornar o elo que decidiria o futuro da peleja.

    Sobre ele, Moro colocou carga máxima. Talvez seja o único dos implicados a já ter recebido duas condenações. A primeira, de cinco anos, proclamada em maio, era relativa a lavagem de dinheiro envolvida na compra de um imóvel no Rio de Janeiro. A segunda, em agosto, de 12 anos por corrupção passiva e, outra vez, lavagem de dinheiro.

    Uma vez que Moro não dá ponto sem nó, é de se supor que o tenha feito como mecanismo de pressão para que Cerveró falasse. Não significa que as sentenças sejam incabíveis (nem o contrário), mas que o timing em que foram decididas corresponde ao interesse mais geral da operação.

    Faz sentido pensar que, assustado com o tamanho das penas, o antigo responsável pela área internacional da Petrobras, já não tão jovem, tenha começado a negociar a delação para poder ficar livre. Os seus primeiros oferecimentos de revelações não satisfizeram os Cavaleiros da Justiça. Foi aí que entraram Delcídio e André Esteves, numa contrapressão do Complexo Político-Empresarial que, se os dados disponíveis estiverem corretos, se estendeu por meses.

    Mesmo com a saúde abalada e dez quilos menos, o acusado foi capaz de resistir e, por fim, obter o que mais desejava: a liberdade. Consta que, feito o acordo com os justiceiros, poderá sair no meio do ano que vem. O modo de fazer política que está ruindo é péssimo, sem dúvida. Resta saber se há outro para colocar no lugar.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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