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    André Singer

    Os novos velhos tempos

    21/05/2016 02h00

    O governo Michel Temer começa exatamente onde o de Fernando Henrique Cardoso parou quase duas décadas atrás: tentando instituir uma idade mínima para a aposentadoria. A proposta era de 60 anos para os homens e 55 para as mulheres, restrita apenas aos que entrassem no mercado após a promulgação da emenda. Foi barrada na Câmara em 6 de maio de 1998.

    O atual inquilino do Planalto deve lembrar bem, pois era então o presidente da Casa, aliado de FHC. Não retrocedemos à República Velha; voltamos à idade de ouro do neoliberalismo tupiniquim. Agora a equipe temerária fala em estabelecer limite de 65 para ambos os sexos, valendo também para os que já estão na labuta.

    Nesta saison retrô, duas ideias serão testadas. A primeira é minha. Por volta de 2010, argumentei que o realinhamento de 2006 poderia consolidar a proteção social existente, mesmo que a oposição viesse a ganhar eleições posteriores. É verdade que Temer não foi eleito, assumiu a Presidência graças a um golpe parlamentar. Mas julga ter base suficiente para impor o desmonte do precário Estado de bem-estar nacional.

    Aqui a diferença com golpe militar cobra força. Nele, as mudanças são impostas pela força. Os que discordam são levados à prisão, ao exílio e à tortura. Os generais só prestam contas à história. Na arruaça legislativa, diferentemente, é necessário manter a maioria legislativa que derrubou Dilma e logo submeter-se ao voto popular.

    Quantos deputados serão candidatos a prefeito em outubro? Quantos apoiam ou são apoiados por chefes do Executivo municipal? Como reagirão as suas bases quando verificarem que o benefício previdenciário, com o qual contavam, será adiado por X anos?

    Aí está a explicação de por que escolher parlamentar ficha suja para liderar os governistas. O presidente interino sabe que apenas a metodologia rudimentar de Eduardo Cunha é capaz de tanger dezenas de políticos abespinhados por eleitores.

    A segunda análise a ser repensada é aquela de acordo com a qual o lulismo foi apenas uma apresentação diferente do cardápio tucano. No fim das contas, Lula também reformou a Previdência em seu primeiro ano de mandato, um dos maiores indícios em favor do argumento da continuidade.

    Ocorre que Lula optou por sacrificar os funcionários públicos — o que provocou a justificada aparição do PSOL – para depois manobrar a favor dos trabalhadores como um todo, sobretudo por meio da elevação real do salário mínimo. Temer, diferentemente, dá continuidade plena ao projeto de fazer do Brasil um espaço capitalista livre dos constrangimentos impostos pela Constituição de 1988.

    O neoliberalismo retornou animado. Vejamos se veio para ficar.

    avsinger@usp.br

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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