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    André Singer

    Durou pouco

    28/05/2016 02h00

    O relativo otimismo que qualquer novo governo provoca no cidadão médio vigorou menos de 15 dias. Na décima jornada, a vilegiatura de Michel Temer foi atingida por bomba revelada pela Folha. As gravações premiadas do peemedebista Sérgio Machado, depois complementadas pela Globo e acrescidas da delação de Pedro Corrêa, ex-presidente do Partido Progressista (PP), na "Veja", atingem o coração do poder.

    Aninhado na cúpula do PMDB, o ex-tucano Machado tem informações capazes de comprometer todos os homens do presidente. Mais ainda, deve conhecer em detalhes o esquema de financiamento do partido, o qual parecia passar por certo diretor da Petrobras, supostamente indicado pelo atual ocupante do Planalto.

    A derrubada do ex-ministro do Planejamento Romero Jucá, personagem central do gabinete temerário, constitui apenas o aperitivo da investigação. O roteiro completo estava, aliás, anunciado em reportagem de "O Estado de S. Paulo" três semanas atrás (8/5). Nela, se anunciava que depois de desbaratar o esquema de arrecadação do PP e do PT, chegara a vez de a Lava Jato fazer o mesmo com a sigla outrora comandada por Ulysses Guimarães.

    Não se trata, portanto, de evidenciar apenas o envolvimento de figuras célebres como o presidente do Senado, Renan Calheiros, ou do ex-presidente da República José Sarney em diálogos algo assustados (e assustadores). Os procuradores buscam provas palpáveis de desvio de recursos públicos. Caso as consigam, a carceragem será o destino possível dos acusados.

    Exatamente por conhecer tais planos, talvez tenha Machado decidido soltar as fitas, como se diria em linguagem antiga, de modo a evitar a própria prisão. Gravadas em fevereiro/março passado, funcionavam como recurso para a hora do aperto, que chegou. O quanto a divulgação interessava também aos investigadores é difícil avaliar.

    Seja como for, dois elementos precisam, a esta altura, ser registrados. O primeiro é que a Lava Jato, em seus óbvios cálculos políticos, não se voltou apenas contra o PT. Quando for feito o balanço da seletividade utilizada pelos que dirigem o processo — um emaranhado de personagens, do qual agora se destaca o procurador-geral Rodrigo Janot — será mister reconhecer o estrago também realizado na governança peemedebista.

    Em segundo lugar, as chances de aprovação no Congresso das medidas neoliberais anunciadas por Henrique Meirelles terça-feira (24), às quais se somariam a reforma da Previdência e a flexibilização da CLT, diminuem à sombra das suspeitas lançadas nesta semana. Se, em condições normais de temperatura e pressão, parlamentares resistem votar medidas impopulares, maior será a dificuldade com a polícia no encalço dos proponentes.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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