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    André Singer

    Dilma precisa apontar os responsáveis perante o tribunal da história

    20/08/2016 02h00

    Alan Marques/Folhapress
    A presidente afastada Dilma Rousseff durante leitura da carta aos senadores e ao povo brasileiro, realizada em um pronunciamento no Palácio da Alvorada
    A presidente afastada, Dilma Rousseff, durante leitura da carta aos senadores e ao povo brasileiro

    Enquanto o Parlamento afia a guilhotina que cortará ao meio o mandato de Dilma Rousseff, a presidente afastada produz documentos para o futuro. Nada de errado na postura. Pena que a carta endereçada aos senadores na última terça-feira (16) tenha se perdido em fantasiosas projeções em vez de trazer elementos novos a respeito de como chegamos a este ponto.

    Quem sabe o pronunciamento da segunda (29) perante o Senado seja mais substancioso. Para ficar em apenas um aspecto, a presidente poderia revelar como, de um ano para cá, a dupla Michel Temer"" Eduardo Cunha atuou para derrubá-la, bombardeando qualquer possibilidade de acordo capaz de tirar o país da crise sem revogar direitos. Vale lembrar que, naquela época, empresários e trabalhadores começavam a conversar sobre um pacto de retomada do crescimento.

    Ao contrário do que se esperava, a radicalização veio de dentro do próprio sistema político. Menos intuitivo ainda: emergiu do partido da conciliação e da cordialidade, o PMDB. Por isso, nestas plagas, é sempre prudente ler Sérgio Buarque com atenção e desconfiar da brandura exterior.

    Vista em retrospecto, a senha de queimar as naves foi dada pelo atual interino na quarta-feira, 5 de agosto de 2015, quando declarou que o país precisava de alguém que tivesse a "capacidade de reunificar a todos". Veja-se a descrição da repórter Marina Dias : "Visivelmente nervoso, balançando o corpo para frente e para trás enquanto discursava a jornalistas, Temer fez um apelo público a partidos políticos e setores da sociedade".

    Tratava-se de um apelo para defenestrar Dilma. A perplexidade com a possível traição do vice permitiu, que, na hora, a cortina de fumaça do mal-entendido funcionasse e, enquanto as interpretações proliferavam, o ex-presidente da Câmara, o qual havia anunciado o seu próprio rompimento com o Planalto poucos antes, agia. Não por acaso, o pedido de impeachment foi protocolado na Casa do Povo em 1º. de setembro.

    Claro que a recessão e as revelações da Lava Jato (assuntos sobre os quais Dilma também deveria falar) criavam ambiente propício a extremismos. Assim, a dobradinha foi agregando apoio social à proposta golpista, desde o início alimentada por ala do PSDB. Porém, o suporte necessário demorou. Veio só com as manifestações de 13 de março passado, após Lula ser submetido à condução coercitiva e a sua nomeação para a Casa Civil bloqueada, ambos fatos divulgados de maneira maciça e mobilizadora.

    Para a corte senatorial, pouco importa localizar os verdadeiros autores dos crimes de responsabilidade, pois o julgamento será político. Para o tribunal da história, no entanto, conta bastante.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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