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    André Singer

    É hora de barrar o arbítrio

    24/09/2016 02h00

    Miguel Schincariol/AFP
    Former Brazilian Economy Minister Guido Mantega (2-R) is escorted by Federal Police agents, after being arrested in Sao Paulo, Brazil on September 22, 2016. Brazilian police Thursday arrested Guido Mantega, a former finance minister under presidents Lula da Silva and Dilma Rousseff, as part of the investigation into the vast Petrobras corruption scheme, media reported. Mantega, who was an important figure in the leftist Workers' Party, was arrested at a Sao Paulo hospital where his wife had undergone surgery. / AFP PHOTO / Miguel Schincariol
    Ex-ministro da Fazenda Guido Mantega chega à sede da Polícia Federal, em São Paulo

    O juiz Sergio Moro colocou nesta quinta (22) a gota d'água no copo da escalada de arbítrio em curso no país. Curiosamente, o fez ao liberar, por razões humanitárias, o ex-ministro Guido Mantega depois de algumas horas na Polícia Federal de São Paulo, e não ao mandá-lo para a prisão por cinco dias ou dez dias, como havia decidido de início. Pois, se era possível soltá-lo, não havia necessidade de prendê-lo, e a arbitrariedade da detenção ficou evidente.

    Não sou eu quem o diz, mas o insuspeito de petismo Reinaldo Azevedo. "Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado: 'Mandamos soltar e prender quando nos der na telha'", escreveu o colunista. O recado foi entendido.

    A justificativa de Moro revelou-se tão frágil que, desta vez, ninguém engoliu. "Considerando o fato de que as buscas nos endereços dos investigados já se iniciaram (...) reputo, no momento, esvaziados os riscos de interferência da colheita de provas", escreveu no despacho de soltura. Em outras palavras, bastava determinar a busca e apreensão, não precisava prender o investigado.

    Cabe lembrar que, pela terceira vez, Moro apresenta explicações mal ajambradas para decisões gravíssimas. Depois da também desnecessária condução coercitiva de Lula, em 4 de março passado, emitiu nota na qual "lamentava" que as diligências tivessem levado a confrontos, "exatamente o que se pretendia evitar". Determinou a coerção para evitar conflitos? Quem acredita?

    Cinco dias mais tarde, Moro divulgou as famosas escutas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff. Instado pela AGU a se manifestar a respeito do assunto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki afirmou que a divulgação das fitas "comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo" e que era "descabida a invocação de interesse público da divulgação" feita por Moro. Em resposta, o juiz curitibano solicitou "escusas" ao STF e explicou que não tivera intenção de causar "polêmicas". Dá para acreditar?

    Mas nesses episódios houve mobilização nas ruas para apoiar as atitudes de Moro. O objetivo era sustentar o impeachment, cuja aceitação foi aprovada pela Câmara um mês depois com base nas manifestações provocadas pelas "inocentes" derrapadas do juiz. Os atropelos constitucionais foram varridos para baixo do tapete.

    Agora parece que Moro ultrapassou o limite do aceitável, mesmo para corações liberais e conservadores. Por isso, espero que o episódio Mantega represente um corte. A opinião pública viu a face do arbítrio. Se ficar conivente com ele, prestará contas à história. Quando um processo autoritário se explicita, todo mundo sabe como começa, mas ninguém sabe como termina.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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