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    André Singer

    Aprovação da PEC 241 faz prever um longo inverno

    29/10/2016 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    Deputados comemoram aprovação da PEC do Teto dos gastos; foram 359 votos favoráveis, 116 contrários e 2 abstenções
    Deputados comemoram a aprovação da PEC 241, que limita o aumento dos gastos públicos

    A tranquila aprovação em segundo turno da PEC 241 na quarta-feira (26) na Câmara dos Deputados (359 a 116 votos) confirma a consolidação do atual bloco no poder. Apoiado na larga maioria parlamentar que decidiu o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff, Michel Temer congela os gastos — e as aspirações igualitárias — por 20 anos. Trata-se de projeto orgânico, que responde a visão enraizada na burguesia e na classe média tradicional, e veio para ficar.

    Em essência, esse programa apoia-se na crença de que é preciso diminuir o tamanho do Estado. Desde o seu ângulo, os problemas brasileiros seriam mais bem resolvidos caso o espaço fosse preenchido por forças de mercado. A desigualdade resultante consistiria em preço (pequeno) a pagar pelo aumento de eficiência global.

    O avanço neoliberal conta, por ora, com a passividade popular. Como as consequências da PEC não são imediatas, os setores de baixa renda ignoram que ela visa a desmontar a ideia de saúde e educação universais e gratuitas. Devido ao modo como o lulismo colapsou — praticando a receita do adversário e soterrado por denúncias de corrupção—, o PT não consegue explicar às massas o que ocorre.

    A manutenção do indiferentismo vai depender do desempenho efetivo da economia. Por enquanto, a queda da inflação dá algum alívio aos que dependem de cada centavo para chegar ao fim do mês. Mas, se os empregos não reaparecerem, crescerá a insatisfação com o atual mandatário.

    Nesse campo, as notícias são menos alvissareiras para Temer. A expectativa de recuperação no terceiro trimestre de 2016 gorou. Agora, espera-se que o final do ano traga a boa notícia de que o PIB, finalmente, entrou em ritmo de expansão.

    No entanto, mesmo se confirmada tal esperança, a intensidade da retomada não deverá ser suficiente para gerar postos de trabalho em número significativo. Conforme tem assinalado o sociólogo Ruy Braga, a economia sob o regime da austeridade tende a perpetuar altas taxas de desocupação. Com efeito, o Ibre - FGV/RJ prevê que o desemprego ainda subirá, passando dos atuais 11,8% para 12,4%, no primeiro trimestre de 2017.

    Isso criará contexto mais favorável aos movimentos de resistência à nova ordem. De momento, a mais forte reação ao avanço privatista vem dos estudantes do ensino médio. Conscientes ou não do papel que jogam, as meninas e os meninos do Paraná e de outras unidades da federação representam hoje, com as suas escolas tomadas, a vanguarda do protesto contra o desmonte das políticas públicas.

    A extraordinária mobilização dos jovens está, contudo, isolada. Haverá um prolongado inverno de descontentamento antes que o sol volte a iluminar perspectivas de igualdade.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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