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    André Singer

    O autoritarismo está de novo no ar

    14/01/2017 02h00

    Lucas Jackson/Reuters
    Donald Trump dá sua primeira entrevista como presidente eleito, na cidade de Nova York

    As gerações que viveram o golpe de 1964 e a longa transição —a qual demorou 14 anos para terminar por completo (1974-1988)— não se prepararam para enfrentar nova jornada de luta em favor do regime democrático no Brasil. Mas parece que uma inesperada combinação de fatores vai recolocar o problema da liberdade, antes que as questões sociais sejam minimamente equacionadas como se almejava.

    Há indícios que os próximos dois anos irão exigir da sociedade civil brasileira um máximo de discernimento e unidade para evitar a volta disfarçada de desvios autoritários. No domingo passado, a ombudsman Paula Cesarino lembrou, a propósito da naturalização dos massacres em presídios nacionais, que a Folha se distinguia, nos anos 1980, "pela defesa dos direitos civis e o olhar severo para as suas violações".

    Embora não seja fácil, uma vez que o inimigo hoje não se encontra explícito e unificado como se dava na ditadura militar, torna-se necessário reeditar aquele espírito, se quisermos preservar o que foi conquistado. O país continua a ser profundamente desigual, mas construiu ampla liberdade de opinião e de organização, agora ameaçadas.

    É que surgiu por aqui uma base social para experimentos antidemocráticos de variado tipo, como, aliás, tem acontecido também nas nações ricas, conforme mostra importante artigo de Robert Foa e Yascha Mounk ("Journal of Democracy", julho de 2016).

    Refiro-me a camadas da população que aplaudem ações policiais, como intervir em uma reunião sindical no ABC, porque nela se "discutia política", em uma peça de teatro em Santos, porque continha críticas à polícia, ou na Escola Nacional do MST, a pretexto de executar o mandado de prisão de alguém que não estava lá.

    Ainda que siga ausente do horizonte visível qualquer ação das Forças Armadas, a atual dissolução dos partidos faz prever um vácuo no qual tais mecanismos de exceção, como vem sendo chamados, podem se tornar a regra.

    A eleição de 2018, se o sistema partidário erigido desde 1989 continuar a ser implodido pela Lava Jato, o que soa quase inevitável, tem tudo para se tornar palco de candidatos tipo "lei e ordem".

    Para completar o quadro pessimista, o ambiente mundial é de reversão democrática. O relatório divulgado anteontem pela Human Rights Watch indica que a ascensão de Donald Trump nos EUA, e de uma série de líderes mal denominados populistas ao redor do planeta, constituem profunda ameaça aos direitos humanos. Na realidade, o conceito mais adequado para designar o fenômeno em curso é autoritarismo e não populismo, o qual pode conviver com formas democráticas.

    Mas o que importa é a coisa, e não o nome. Hora de agir.

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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