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    André Singer

    Delação da JBS revela corrupção selvagem

    24/06/2017 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    BRASÍLIA, DF, 21.05.2017: MICHEL-TEMER - O presidente Michel Temer concede entrevista exclusiva à Folha na biblioteca do Palácio da Alvorada em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
    O presidente Michel Temer

    A delação de Joesley Batista, recém-validada pelo STF, bem como a entrevista do mesmo à revista "Época", permite vislumbrar aspectos novos do processo em curso no Brasil. A narrativa dos Odebrecht revelava detalhes do sistema sedimentado que ligava empreiteiras e candidatos desde os anos 1940. Já as peripécias contadas pelo dono da JBS parecem dizer respeito a modalidades meio improvisadas, típicas de certo novorriquismo da corrupção recente e, ainda, em estágio de provas.

    Perto do "departamento de operações estruturadas" do conglomerado baiano, a sistemática onívora da JBS soa caótica. Tomados por uma febre juvenil de crescimento, os donos do frigorífico adquiriram, em poucos anos, não apenas congêneres em dificuldade no exterior, mas indústrias de alimento em geral, e até a tradicional Alpargatas, para não falar de uma fábrica de celulose e de uma usina termelétrica. Com isso, o faturamento do grupo subiu de R$ 4 para R$ 170 bilhões entre 2006 e 2016 ("Exame", 7/6/2017). Enriquecimento súbito.

    Uma expansão tão acelerada implica também centenas de problemas urgentes a resolver, desde a obtenção de empréstimos e coinvestidores de alto poder financeiro até a compra de gás direto da Bolívia, bypassando a Petrobras. A cada obstáculo, os empresários iam comprando, igualmente, homens públicos por baciada. Não espanta que tenham terminado com uma carteira de 1.800 deles no bolso.

    Uma vez compreendido o mecanismo, torna-se fácil remontar o que ocorreu. Políticos dispostos a se vender existem, e sempre existiram, em todas as democracias do mundo: havendo dinheiro, o negócio fecha. Lembre-se, caro leitor ou cara leitora, do filme "Lincoln", já citado aqui, e o modo como se deu a conquista da emenda que, finalmente, declarou extinta a escravidão nos Estados Unidos da América.

    Surpreende, contudo, a facilidade com que personagens tradicionais, experientes e alocados no topo do Estado, como Michel Temer ou Aécio Neves, caíram na rede estendida pelos Batista. A serem verdadeiras as histórias contadas, o presidente da República era pródigo em pedidos domésticos, como o pagamento de um aluguel ou a ajuda a um amigo. Nas palavras do delator, apresentava seus pleitos de maneira despojada. Se não fossem atendidos, paciência; depois, viriam outros.

    De fato, o diálogo gravado com Temer no Palácio do Jaburu em março trai o clima ameno de "eu te ajudo, você me ajuda, e está tudo bem". Do mesmo modo, o pedido fatal do presidente afastado do PSDB —igualmente grampeado— destinava-se a gastos pessoais.

    Ambos acabaram, no fim, mais expostos do que os envolvidos na "corrupção à moda antiga".

    andré singer

    É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
    Escreve aos sábados.

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