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    Angela Alonso

    O 13

    08/05/2016 02h01

    Para uns, 13 traz sorte. Para outros, nem tanto. O medo do algarismo tem nome complicadíssimo: triscaidecafobia. Vige nos Estados Unidos, onde, sabem bem eleitores de Trump, elevadores pulam o numeral, num ardil antiazar. No Brasil, é inegável que fez história.

    O abominável AI-5 foi decretado num dia 13 (de dezembro de 1968). O PT ganhou os dois dígitos quando de sua fundação. E as manifestações contra seus governos, que somam 13 anos, aconteceram nesse dia no último março.

    Para o do mês que corre, projeta-se que Dilma Rousseff esteja afastada da Presidência da República. Neste caso, somam-se dois terrores, o do número e o de sua posição na semana, a sexta-feira. Data para cataclismos.

    Este 13 de maio reverbera outro, longínquo, localizado, como a votação do impeachment na Câmara, num domingo. Foi em 1888, quando se decretou o fim da escravidão no Brasil. O paralelo não deve causar estranheza; afinal, há quem julgue a saída da presidente um ato de libertação.

    As conjunturas se assemelham para além da numerologia. O fim da escravidão passou longe da versão rósea dos livros escolares, onde assoma como dádiva de princesa. A questão dividiu o país em duas grandes forças contrárias, que teimam em se repor ao longo de nossa história.

    Lá nos tempos da escravidão, os lados se cindiram por conta de reformas pró direitos políticos da maioria e por programas redistributivos, que afetariam as estruturas de poder social, econômico, político do Império. Os abolicionistas pleiteavam liberdade civil, educação, direitos sociais e concessão de terras a libertos, em nome do direito, da compaixão, do progresso. Os escravistas respondiam que a abolição, mesmo que ideia nobre e civilizada, seria prática nefasta: desarranjaria a ordem social, as instituições políticas e as contas nacionais, todas bem fincadas na escravidão. Contra o humanismo, o realismo. Contra a solidariedade, a racionalidade econômica.

    O fulcro da conversa eram os efeitos do ingresso massivo dos infracidadãos nos mundos do consumo e da política. Como até hoje se nota, nada mais ameaçador para quem está no alto que a entrada coletiva dos quem vêm de baixo.

    A peleja esganiçada durou duas décadas e mobilizou dois batalhões. Os abolicionistas organizaram manifestações no espaço público, lançaram publicações, atraíram artistas. Tomaram as ruas com bandeiras, palavras de ordem, e, à falta dos bottons (ainda por inventar), levavam flores na lapela. Ante instituições políticas refratárias, avançaram para a desobediência civil. Tudo muito análogo ao que corre ultimamente.

    O outro lado nada tinha da malvadeza dos estereótipos. Escravistas autodeclarados foram raríssimos, como o são –ou eram até há pouco– os que ora se insurgem contra políticas sociais e direitos de minorias. Claro, há os da linha reta, incapazes de camuflar seu anseio por eliminar os indesejáveis. Contudo, mais eficientes são os conservadores polidos, de fala mansa e ponderação, com suas planilhas de cálculo, que jamais se inflamam em favor da hierarquia social, antes lamentam a impossibilidade de elevar de pronto os estratos baixos, dadas as circunstâncias nacionais.

    Prospera esse conservadorismo de circunstância, como no Império vigia um escravismo de circunstância. Sua oposição não incide sobre o princípio da justiça social. Lança mão, antes, da conjuntura econômica, sempre urgente, que exigiria postergar o avanço das reformas corretivas da desigualdade.

    Em tudo isto o 13 deste maio ressoa aquele de 1888. Agora, como então, opõem-se distintos projetos de país. E o desfecho do drama tampouco promete ser discrepante. Na semana pós-Lei Áurea, abolicionistas comemoraram emocionados. Logo acordaram num pesadelo: a abolição saiu solteira, sem nenhuma das outras reformas almejadas. Os ex-escravos ficaram ao deus-dará, no qual muitos de seus descendentes permanecem. Vitória azeda.

    Idem no presente. Antes que os ciosos da moralidade pública ensarilhem suas armas e pixulecos, a ressaca da festa anticorrupção comparece. Vai-se embora a presidente, que, até que se prove em contrário, tem conduta ilibada, enquanto ascendem aos primeiros postos da República os habitués da zona mais cinzenta da política. Sobram vivas, mas também maus presságios.

    Por causa deles, João Alfredo Correia de Oliveira hesitou em pôr a abolição a voto no Senado num 13. Naquele dia o Brasil assistiu pasmado esse ex-escravista aprová-la com os mesmos senadores que até mês e meio antes sustentavam governo antiabolicionista. Hoje, outra vez, assombra ver oposicionistas transmutarem-se em governo, sem eleições.

    Muito sobra a temer, quando esse verbo virar presidente. Resta saber se o versado em assuntos divinos, dono de firma com nome do filho de Deus (a Jesus.com), ao deixar a chefia da Câmara, poupará sua legião. Ele, que até aqui teve corpo fechado, pode se converter no anjo do apocalipse.

    angela alonso

    É professora do departamento de sociologia da USP e presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Escreve aos domingos, mensalmente.

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