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    Antonio Delfim Netto

    3,1% do PIB

    06/11/2013 03h00

    A recente demonização da dívida pública esconde o fato de que, em condições normais de pressão e temperatura, ela é um instrumento indispensável para a boa administração financeira, inclusive da política monetária. Esta é realizada pelo Banco Central por meio das operações de compra e venda dos títulos do Tesouro, que estabelecem a taxa básica de juros (a Selic).

    Não há nada de "cientificamente" errado com a dívida pública quando ela ajuda no financiamento de obras de infraestrutura com taxas de retorno de mercado, ou mesmo quando ela é usada para reduzir o valor do investimento privado com subsídio, desde que transparente e adequadamente provisionada.

    O fato concreto é que ela tem consequências que dependem da situação econômica e da natureza dos seus financiadores. Quando a economia estiver perto do pleno emprego e a dívida pública for usada para pagar despesas de custeio, por exemplo, ela aumenta a taxa de juro real e diminui o investimento privado, gerando uma mecânica perversa que consome ainda mais recursos do PIB para controlá-la.

    A coisa é pior se o financiador for externo, porque o seu pagamento pode exigir uma redução do padrão de vida interno, o que hoje não é o nosso caso. Por outro lado, como a vida do Estado é, em princípio, infinita, ele não precisa, necessariamente, liquidá-la num tempo finito, o que a distingue da dívida privada.

    A dívida nominal tem uma dinâmica própria basicamente determinada pela taxa de juros real e pela taxa de inflação. Ela deve ser comparada com o PIB nominal, que é o resultado do crescimento real e, também, com a inflação. Dessa forma, fica evidente que a relação dívida pública bruta nominal/PIB nominal é um quociente que tem a propriedade de depender apenas das taxas reais de juro e de crescimento. Se a dívida bruta cresce a uma taxa real maior do que a do PIB real, a relação dívida bruta/PIB crescerá sem limite, o que é insustentável.

    Não há uma relação dívida bruta/PIB "ótima", mas há convenções que, gostemos ou não, o "mercado" observa, comparando-a com a de outros países. Mais do que a relação dívida bruta/PIB de 60%, são as condições criadas pelas recentes ações fiscais aprovadas no Congresso que estão gerando um visível desconforto e demandando um aumento do superavit primário (o "esforço fiscal") para estabilizá-la.

    É essa "perspectiva" sobre o futuro que levou o FMI à sugestão de aumentar o superavit para 3,1% do PIB, para "encorajar a recuperação da confiança e os investimentos" no Brasil. Ele não revelou a taxa de juros real de "equilíbrio" que está nas suas contas. Suspeito ser parecida com 8%. Um óbvio exagero!

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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