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    Antonio Delfim Netto

    Preço justo

    05/02/2014 03h30

    Assisti a um debate televisivo entre um competente economista e um inteligente burocrata. Visava a formação dos preços de um determinado bem na situação em que a demanda explode, como se espera quando se realizar a Copa do Mundo no Brasil.

    O economista, obviamente, insistiu que o preço será formado pelo equilíbrio entre a oferta (a quantidade disponível) e a procura (intensidade do desejo e renda) em cada mercado (como o de habitação, por exemplo).

    O burocrata entendia que, em momentos "especiais", era obrigação do governo fixar o "preço justo". Era evidente que não poderia emergir qualquer compromisso porque argumentavam em universos diferentes: o economista tentando apelar para conceitos relativamente objetivos e o burocrata defendendo um conceito fluído e normativo.

    Voltamos ao século 13. A ideia do "preço justo", desenvolvida por são Tomás de Aquino, parece perseguir o governo. Ela fazia sentido na Idade Média quando a ausência de mercados bem organizados recomendava restrições éticas que proporcionassem algum controle sobre os preços.

    Quase no mesmo dia do debate entre o economista e o burocrata, comemorava-se o sucesso de uma política de controle do uso de drogas que emprega viciados, em troca de uma pequena remuneração,o que é muito bom. No dia do pagamento, a demanda aumentou com a renda. Como a oferta de droga era fixa, o preço "explodiu".

    Existem basicamente duas formas de distribuir a quantidade finita de um bem (digamos, "alojamentos" ou "entorpecentes"), entre indivíduos cujo desejo somado de obtê-lo o excede: pela força ou pelo mercado. Nos dois casos alguém ficará insatisfeito, pela simples e boa razão que a oferta física é inferior à demanda física do mesmo bem. Como se resolve quem é e quem não é atendido?

    Podemos discutir filosoficamente os problemas éticos envolvidos nas duas soluções, mas é preciso reconhecer que é impossível conciliar a demanda física de um bem com uma oferta física inferior a ela sem algum mecanismo de coordenação que "escolha" quem vai ser atendido.

    O tabelamento apoiado na teoria do "preço justo" para funcionar precisa do poder de polícia. O efeito mais provável é que a oferta se reduza (a não ser que a polícia a constranja fisicamente) o que agrava o problema. E como se escolhe o "sortudo"? Ou na base do compadrio ou do suborno.

    A solução do mercado é superior porque: 1) estimula o aumento da oferta e a escolha do "sortudo" é feita automaticamente pelo nível de renda que lhe permite pagar o preço do mercado e, 2) dispensa a "força" e o "suborno".

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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