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    Antonio Delfim Netto

    Cade

    19/03/2014 03h30

    Para os homens, o futuro é opaco. É insondável porque não repete nem está escondido no passado. Eles têm memória e aprendem com seus erros e com as decepções produzidas pelas ações inconsequentes do Estado que produzem danos colaterais não intencionais. Estas reduzem a disposição de tomar risco que é inerente aos investimentos que ligam, fisicamente, o presente ao futuro e sem os quais a necessária harmonia entre o crescimento da oferta de bens e serviços (públicos e privados) e a sua distribuição mais equânime por toda a sociedade fica comprometida.

    Pelo menos cinco séculos de história revelam que um Estado constitucionalmente limitado –que abriga instituições adequadas ao exercício da liberdade de iniciativa, garante a segurança jurídica dos agentes e a estabilidade social– é capaz de reduzir o grau de incerteza sobre o futuro e ampliar o horizonte dos mais dispostos a tomar o risco implícito em todo investimento.

    Essa redução da opacidade, produzida pela confiança que os agentes têm na ação do Estado, liberta o "espírito animal" dos inovadores mais ousados ao mesmo tempo em que reduz a "taxa geral de desconto sobre o futuro". Com isso elevam-se as taxas de retorno esperadas de praticamente todos os projetos de investimento e, portanto, põe-se em marcha uma aceleração do desenvolvimento.

    Acontece o contrário quando a confiança entre o setor empresarial privado e o Estado, representado pelo poder incumbente de plantão, se reduz por motivos verdadeiros ou imaginados: quando ambos têm dificuldades de entender o papel insubstituível e complementar de cada um no processo civilizatório que deve ser o desenvolvimento econômico. É exatamente isso que vem acontecendo no Brasil.

    O governo seguramente entendeu o problema e tem dado demonstrações de que deseja superá-lo. Procura mostrar que a legítima política de buscar a "modicidade tarifária", nas transferências de monopólios públicos para o setor privado, não tinha como objetivo substituir o processo alocativo regulado pelos sinais do mercado. Mas a situação não é fácil.

    Muitos fatores conspiram contra o sucesso imediato de suas necessárias intervenções. Além do mais, o comportamento de algumas agências de Estado não esconde uma ideologia "intervencionista", como é o caso, por exemplo, do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que tenta extrapolar sua importantíssima função de organizador da concorrência –negada, aliás, pelo governo em outras áreas como a dos "campeões nacionais"– para exercer a tarefa de organizador da estrutura dos mercados, para a qual falece-lhe competência.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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