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    Antonio Delfim Netto

    Aprendizado

    02/04/2014 03h00

    A resistência do governo a conceder ao "mercado" a oportunidade de trabalhar é a causa fundamental da desconfiança que se estabeleceu entre ele e o setor empresarial privado. Um intervencionismo microeconômico mal disfarçado das agências reguladoras que, com a cumplicidade do Senado Federal, foram aparelhadas com "companheiros de passeata", sugere uma explicação "ideológica" para o que é pura e simples incompreensão.

    Vamos combinar. As intervenções macroeconômicas na energia elétrica e nos portos objetivavam ampliar a necessária competição nos dois setores. Foram comprometidas pela angústia da pressa, mas não violaram contratos. Recusaram-se, entretanto, a usar o sistema de preços para conciliar os interesses das partes envolvidas.

    Por outro lado é visível que, com os leilões de concessão da infraestrutura, consolidou-se um novo entendimento. Demorou para o setor privado entender que "modicidade tarifária" não era sinônimo de "socialismo", tanto quanto para o governo conformar-se que por maior que fosse seu desejo, não tinha o poder divino de estabelecer, simultaneamente, a qualidade do projeto e a sua taxa de retorno. Agora os dois aprenderam. Devem, portanto, dar-se mutuamente um voto de confiança para que o Brasil volte ao crescimento.

    É preciso insistir. A chamada "economia de mercado" é produto de uma seleção histórica quase natural que continua desde que o homem deixou a África. Mas não é a panaceia, como propagam cronistas tão engajados quanto pouco informados. Ela tem problemas intrínsecos no nível macroeconômico que impedem a construção do processo civilizatório com a qualidade que os homens desejam.

    Mais. Ela depende da ação de um Estado inteligente constitucionalmente controlado, que é quem, por mais paradoxal que pareça, garante as condições do seu bom funcionamento. Certamente, é a mais injusta de quantas organizações econômicas os homens experimentaram nos últimos 150 séculos, com exceção de todas as outras!

    Não há nada mais falso do que a pobre dicotomia Estado versus Mercado. E não há nada mais deletério para a construção paulatina de uma sociedade civilizada que combine: 1º) a mais ampla liberdade de iniciativa de seus membros para que eles possam explorar os seus talentos; 2º) o aumento da igualdade de oportunidade que reduza os efeitos do acidente do seu nascimento e 3º) a diminuição do tempo necessário para a produção de sua subsistência material que deixe mais tempo livre para cada um encontrar a sua humanidade.

    A história é testemunha de que o "Estado absoluto" ou o "mercado absoluto" são os maiores inimigos da construção da sociedade civilizada.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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