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    Antonio Delfim Netto

    A "meta"

    09/04/2014 03h30

    No seu comportamento econômico, os agentes sociais respondem mais às suas expectativas sobre o futuro incerto do que às condições objetivas em que estão vivendo. Talvez seja assim em relação a todos os aspectos de sua vida na sociedade. Na economia, entretanto, ele é empiricamente demonstrável e tão determinante que impõe mudanças na teoria e, consequentemente, muitas vezes, na formulação da própria política econômica. Os economistas sempre souberam disso, mas nunca levaram muito a sério até os anos 70 e 80 do século passado.

    Um exemplo interessante e mais recente dessa mudança é a teoria que desaguou na nova política monetária. Substituiu-se o controle da oferta monetária pelo controle da taxa de juros, acompanhado pela lenta construção do sistema de "metas inflacionárias".

    Os dois instrumentos seriam capazes de realizar até mesmo um duplo objetivo que seria o de manter o desemprego no nível mais baixo possível, consistente com a estabilidade da taxa de inflação. Antes disso era comum a sugestão (estimulada por um keynesianismo de "pé quebrado") de tentar conciliar os dois objetivos por uma política de renda: controle de preços e de salários. Muitos países desenvolvidos a adotaram (até os Estados Unidos) e, proporcionalmente, ainda mais os subdesenvolvidos, inclusive o Brasil. Deu tudo errado, tanto no mundo como no Brasil!

    A nova "teoria" é tão elegante quanto óbvia: se todos os atores (governo e setor privado) na sua ação econômica, forem convencidos de que a "expectativa" de inflação é a da "meta", esta se realizará. O instrumento para atingi-la é um banco central independente, que recebe a "meta" do poder político e tem a obrigação de cumpri-la com o ajuste da taxa de juro real de longo prazo, que equilibra a "oferta total" com a "demanda total" no preço médio, cuja variação é a taxa da "meta".

    Se houver recalcitrantes, o instrumento de persuasão do banco central é o aumento da taxa de juro real de longo prazo que pune todos os agentes: os trabalhadores com o desemprego, os empresários com a queda das vendas e dos lucros e o governo com aumento do seu deficit e de sua dívida. É claro que existem muitos "se" nesse desenho –e alguns até "c" com cedilha, mas ele é plausível.

    É evidente que, por definição, tal sistema não pode conviver com o controle de preços, porque este cria a "expectativa" de maior inflação.

    Hoje, quando a taxa medida de inflação namora com o teto da banda, dois terços da população brasileira acredita que ela ainda vai subir. Isso mostra que fazê-la convergir à "meta" de 4,5% apenas com a manipulação da taxa de juros real imporia custos sociais insuportáveis.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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