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    Antonio Delfim Netto

    Capitalismo

    30/04/2014 02h00

    A Folha prestou mais um grande serviço traduzindo e publicando na semana passada longa e excelente resenha assinada por um competente provocador, o economista Paul Krugman, de um livro destinado a ser um clássico. Trata-se de "Le Capital au XXIe Siècle" (o capital no século 21), de Thomas Piketty, agora traduzido para o inglês. Krugman acredita que ele vai mudar duas coisas: como pensamos a sociedade e como fazemos teoria econômica.

    Piketty está nos EUA, numa espécie de "road show" de seu livro, em que expõe a indecente e quase inacreditável concentração da renda e da riqueza do 1% (e do 0,1%) dos americanos mais ricos. Num auditório lotado, foi sabatinado e aplaudido por dois Prêmios Nobel: Joseph Stiglitz e o próprio Krugman. Como de costume, a esquerda apressada viu nisso o espectro de Marx, e a direita retardada, apenas o resultado do mérito!

    Os números de Piketty sugerem que o "capitalismo competitivo" está dando lugar a um "capitalismo patrimonialista". É importante insistir que ele rejeita toda grande história com suas leis determinísticas. A concentração da renda é, basicamente, resultado de decisões do sistema político. Em palavras que não são de Piketty, o processo civilizatório depende de um jogo paciente e dialético entre duas instituições fundamentais: a urna (em que cada cidadão tem apenas o seu voto) e o mercado (no qual cada cidadão tem votos proporcionais à sua riqueza), que exige que elas sejam independentes entre si, o que não é um problema trivial. Se o mercado se apropria da urna, o processo civilizatório entra em estagnação ou em regressão. Se a urna se apropria do mercado, temos o populismo, que termina no autoritarismo.

    Nos EUA, Piketty afirmou: "Acredito na propriedade privada, mas o capitalismo e o mercado devem ser escravos da democracia, e não o oposto". Ao contrário do que pensam alguns economistas, o amadurecimento do capitalismo não leva, necessariamente, à maior igualdade ou à maior liberdade de iniciativa, duas componentes essenciais do processo civilizatório.

    Não é trivial porque o controle político tem, por natureza, de procurar sua perpetuação e reprodução. Estamos diante de um problema que só pode ser resolvido por uma profunda reforma institucional. Por exemplo, o Senado, que é mais facilmente capturado pelo "mercado", deve ter apenas o poder revisor para equilibrar a Federação. O senador não deve ter iniciativa legislativa e, muito menos, suplente. E o deputado deve ser escolhido por uma forma de eleição distrital, para que o custo de campanha seja muito menor e visível aos eleitores.

    Esperemos que alguma editora enfrente a tarefa de traduzir e publicar o livro de Piketty.

    contatodelfimnetto@terra.com.br

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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