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    Antonio Delfim Netto

    Sem surpresa

    04/06/2014 02h00

    O crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro no primeiro trimestre, de 0,2%, corrigido pela variação estacional, não surpreendeu nem mesmo o governo, mas projeta grande preocupação sobre o ano de 2014.

    O resultado reflete as incertezas do setor privado e o efeito da política monetária por seus canais de transmissão: a redução do nível de atividade, a redução do ritmo de expansão do crédito e a valorização do dólar. Disso algum gênio heterodoxo pode concluir que para fazer crescer o PIB é preciso aumentar a demanda global, o que, pelo uso mais eficiente dos fatores de produção, reduziria "naturalmente" a taxa de inflação.

    Isso seria verdade se existisse ampla capacidade produtiva: energia, mão de obra e capital não utilizados. O pequeno problema é que, infelizmente, a hipótese é falsa!

    O que deveria surpreender é por que o crescimento médio tão sem graça dos últimos anos não teve efeito visível sobre a taxa de inflação. A explicação é sem dúvida complicada, mas alguns fatos podem ajudar a entendê-la:

    1) Existe um limite para a arbitragem do governo sobre a distribuição de renda a favor do trabalho numa economia de mercado. Quando ele é excedido, gera inflação porque os empresários tentam transferir para os preços o aumento do salário real superior à produtividade física do trabalho. Na medida em que não têm sucesso na transferência, reduzem os investimentos pela queda da capacidade de seu autofinanciamento e o crescimento murcha.

    2) É impossível fixar ao mesmo tempo o pleno emprego e o salário real numa economia de mercado. Quando o governo subsidia os setores em que a demanda está mais fraca para manter o emprego, ele impede o funcionamento do sistema. O custo do subsídio transforma-se em pressão fiscal que deságua na dívida pública e pressiona o juro real.

    3) A política monetária é necessária para controlar a inflação, mas não é suficiente. Se ela não tiver o apoio de uma política fiscal que reduza a demanda do governo e de uma política salarial que compatibilize o consumo com o investimento, seu custo é politicamente inaceitável.

    4) A redução da taxa de inflação exige a redução de sua "expectativa", o que é difícil quando preços controlados sugerem um aumento futuro da taxa de inflação.

    O baixo crescimento, o estresse no mercado de trabalho, a inflação tensionada no limite da tolerância e o substancial deficit em conta corrente confirmam que o que temos é um problema de oferta cuja solução exige o aumento da produtividade de toda a economia.

    É o que o governo tenta agora produzir.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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