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    Antonio Delfim Netto

    Dilema

    18/06/2014 02h00

    Quando políticas econômicas colonizadas pelo mercado financeiro (mercadismo) convivem com sistemas políticos democráticos, é preciso muita atenção para assegurar o equilíbrio social. As extravagâncias do mercadismo apoiadas na sua "pretensão científica" acentuam as desigualdades e são lenientes com o desemprego e a pobreza. Serão corrigidas nas "urnas" depois de algum tempo. Infelizmente, a correção é, em geral, exagerada: os novos chegados ao poder tentam impor a sua "ciência", o voluntarismo. Como o mercadismo, ele termina em outro desequilíbrio social que, em algum momento, será também corrigido pelas "urnas", se a democracia sobreviver.

    Para que esse mecanismo de autocorreção funcione –o único descoberto até agora para construir uma sociedade civilizada– é preciso que ela disponha de sólidas instituições políticas e sociais capazes de garantir a escolha do poder incumbente com absoluta liberdade, exercida num ambiente de rigoroso equilíbrio competitivo.

    Frédéric Bastiat (1801-1850) foi um economista francês dogmático e intransigente. Acreditava na harmonia entre as classes sociais e foi feroz inimigo do socialismo e da ação do Estado para proteger os cidadãos na pobreza porque isso comprometeria sua independência e os desobrigaria de procurar outras formas de superá-la. Ele firmava seu ultraliberalismo numa lógica terrível, com a qual extraía de hipóteses simples, todas as consequências possíveis. O problema –como o de alguns de nossos economistas– eram as suas hipóteses!

    Em 1848 publicou um artigo memorável, "O que vemos e o que não vemos", onde ataca algumas falácias (algumas ainda sobreviventes) e coloca claramente a absoluta necessidade de uma visão intertemporal da política econômica. Nele afirma que "na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não engendra apenas um efeito, mas uma série deles. Desses só o primeiro é imediato porque se manifesta junto com a causa (que se vê). os outros se desenrolarão sucessivamente (não se vêm) [...]Frequentemente a consequência imediata pode ser favorável, mas as futuras podem ser funestas e vice-versa".

    Conclui que "o mau economista perseguirá um pequeno bem atual (que se vê), mesmo se seguido de um grande mal futuro (que não se vê), enquanto um bom economista perseguirá um grande bem futuro (que não se vê), mesmo à custa de um pequeno mal no presente (que se vê).

    Coloca-se, assim, o grande dilema: como é possível persuadir os eleitores que os "bons" economistas realmente são os portadores da "melhor" política econômica mesmo quando os inconvenientes de curto prazo (que se vê) serão superados pelo benefício de longo prazo (que não se vê)?

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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