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    Antonio Delfim Netto

    Lógica

    25/06/2014 02h00

    O grande economista e estadista Luigi Einaudi (1874-1961), ao analisar a confusão austríaca dos anos 30, indagou: "Quem assumirá a responsabilidade de conservar, renovar e fazer crescer o capital nacional, se os impostos, os altos salários e a previdência social não deixarem nenhuma margem de lucro para as empresas?"

    "É preciso ser lógico", respondeu. "Ou se tenta como na Rússia, com sucesso ou não –isso não importa–, construir outro sistema social, fundado em motivos diversos dos de nossa sociedade, ou é preciso resignar-se e aceitar o elemento motor da empresa privada, que é a expectativa de lucro proporcional ao investimento realizado."

    Na verdade, os dois sistemas respondem à mesma estrutura interna de crescimento: a transformação do excedente produtivo em investimento, feito ou pelo setor privado ou pelo burocrático que detém o poder político. Em princípio, se os problemas de informação puderem ser superados e se for possível estabelecer incentivos que compatibilizem os valores dos indivíduos com os objetivos estabelecidos pela burocracia, o sistema deve funcionar razoavelmente. O problema é com os "ses"!

    De fato, se aqueles problemas não existissem, como supõem alguns altruístas amadores, talvez a economia centralizada pudesse ser mais eficiente do que o mercado. Restaria, entretanto, resolver o problema da liberdade, isto é, como impedir que a dominação do homem pelo homem no mercado, seja substituída pela sua dominação ainda mais dramática pelo burocrata, que é o que ocorreu na prática.

    Com todos os seus defeitos, o mercado assegura algumas escolhas para os indivíduos. Quando o Estado é empregador universal, não há alternativa para os inconformados!

    Até agora a centralização revelou-se incapaz de atender simultaneamente às exigências de uma produção razoavelmente eficiente e o exercício mínimo da liberdade. Esta é, obviamente, uma questão empírica que não pode ser resolvida no nível teórico. O homem vem tentando fazê-lo, praticamente, ao longo da sua história. É por isso que não é proibido sonhar como os jovens generosos de hoje: nada garante que o que não foi possível até aqui, não possa sê-lo no futuro.

    Não é preciso, pois, aferrar-se ao imobilismo ou pretender que toda mudança é uma ameaça. Não é preciso aceitar os defeitos do capitalismo como se fossem dogmas religiosos. Não é preciso supor que não possamos melhorar a situação dos mais carentes. Mas não é saudável ceder à tentação simplista que ignora as restrições físicas, ou ao democratismo reacionário que pensa poder calcular, pelo voto da maioria, o valor da raiz quadrada de dois!

    Como disse Einaudi: "Bisogna essere logici".

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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