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    Antonio Delfim Netto

    Limite

    02/07/2014 02h00

    Jorge Mautner é uma personalidade que incorpora uma maneira corajosa e inteligente de resistência às agruras de viver. Aprendeu com o mundo e sofreu, mas nunca desistiu de tentar melhorá-lo. A última coisa que se pode dizer é que tenha abdicado de suas convicções libertárias: procura sempre novos caminhos para realizá-las. Seu artigo "A praça é do povo como céu é do condor", publicado nesta Folha, encerra um pensamento filosófico de profundo significado: "Quero concluir este texto com um verso da minha canção em parceria com José Miguel Wisnik que diz: A liberdade é bonita, mas não infinita. Me acredite, a liberdade é a consciência do limite!".

    Trata-se de reflexão da maior importância para continuar a construção da sociedade civilizada, que o homem vem tentando encontrar desde que abandonou a África há 150 mil anos. Ela deve proporcionar-lhe: plena liberdade na escolha da sua atividade; progressiva igualdade de oportunidades e uma organização produtiva eficiente para reduzir o tempo necessário à sua subsistência material e lhe sobrar mais tempo para construir a sua humanidade. Esses objetivos não são inteiramente compatíveis, o que exige a "invenção" de instituições que coordenem a evolução histórica na direção de acomodá-los.

    Uma dessas instituições –o mercado– o homem conhece desde sempre: a divisão do trabalho mostrou as vantagens da especialização e da cooperação. Mas o "mercado" não é a "economia de mercado", cujo codinome é "capitalismo", que lhe deu mais musculatura jurídica e separou o capital do trabalho assalariado. Essa combinação permitiu incorporar novas tecnologias ao processo produtivo com a criação da sociedade anônima e do crédito bancário, que lhe conferiu um dinamismo surpreendente, cujos benefícios concentravam-se mais no capital do que no trabalho.

    No início do século 19 o trabalho começa a auto-organizar-se e pressiona para a criação de um regime democrático competitivo apoiado no sufrágio universal para obter maior poder político. Cria-se, assim, uma espécie de capitalismo democrático que só pode sobreviver se os possíveis excessos do "capitalismo" e os possíveis exageros da "maioria votante" forem controlados pela educação dos cidadãos. Eles precisam valorizar a eficiência do "mercado" no sistema produtivo juntamente com a eficiência da "urna" no processo distributivo.

    Neste momento da história, em que o maior emponderamento do cidadão representa a possibilidade de novos avanços, é preciso entender seus riscos. Capitalismo e democracia sempre se estranharam, mas, cada vez que se tentou um "atalho" para acelerar o encontro com a sociedade civilizada, ele terminou na barbárie.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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