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    Antonio Delfim Netto

    A conversão

    01/04/2015 02h00

    O Brasil é vítima de um distúrbio curioso: uma esquizofrenia cíclica. A partir de 1994 foi atacado de enorme entusiasmo com a solução de uma questão que parecia insolúvel: a conquista da estabilidade monetária. Foi obtida com uma pequena joia, o Plano Real, que nunca terminou no verdadeiro equilíbrio fiscal.

    Foi compensado pela Lei de Responsabilidade Fiscal e por um benéfico enxugamento do Estado com privatizações de pouca transparência. Do ponto de vista do crescimento a octaetéride fernandista deixou a desejar: o PIB per capita cresceu de 0,9% ao ano e houve precária inclusão social com programas de focos confusos e apenas iniciados.

    A lulista começou com uma desconfiança generalizada do setor privado e a equivocada resposta que havia recebido uma herança "maldita". A terraplanagem de FHC e a política de Palocci construíram as condições para uma completa reversão das expectativas.

    O que não é possível ignorar é que houve, também, uma profunda mudança de "filosofia". A inclusão social (o empoderamento da sociedade e a ênfase na distribuição de renda) deixou de ser um "detalhe" como foi no governo do intelectual bem apetrechado, para tornar-se o "objeto principal" do governo de um operário com pouca educação formal, compensada por uma inteligência prática privilegiada e uma imensa capacidade de articulação política.

    Ajudado por sua astúcia e pela melhoria das condições da economia mundial, Lula também resolveu um problema que parecia impossível, o da dívida externa. A octaetéride lulista terminou com um crescimento médio do PIB per capita de 2,9% ao ano e uma substancial melhoria na inclusão social.

    Quando assumiu em 2011, Dilma demorou a reconhecer que tudo tinha mudado: não havia mais espaço fiscal e as condições externas eram outras. Em 2011-2014, o crescimento do PIB per capita foi reduzido a 1,2% ao ano.

    Reconduzida por 1/3 da população, ela assumiu corajosamente uma conversão econômica equivalente à de São Paulo na estrada de Damasco, para responder à descrença dos outros 2/3. O programa é razoável (a despeito de dar mais ênfase no aumento da receita do que na redução das despesas) e procura calibrar com certa equanimidade os seus custos. A discussão para aperfeiçoá-lo é legítima. Negá-lo é um crime de lesa-pátria.

    O Brasil está assustado com o empoderamento da cidadania (um corolário da inclusão social) revelado nas "ruas". Mas este é o caminho natural do amadurecimento das instituições democráticas.

    Não há desarranjo institucional. A democracia não é uma dádiva divina. É difícil, mas é o único caminho para a civilização.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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