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    Antonio Delfim Netto

    Economia e moral

    27/05/2015 02h00

    Não há nenhuma dúvida sobre o fato que a expansão do sistema de crédito é um dos elementos fundamentais para a aceleração do desenvolvimento econômico.

    Por um lado, ele dá aos indivíduos a oportunidade de usarem sua atividade empreendedora incorporando ao processo produtivo novos bens, serviços e inovações. É, assim, um importante fator mobilizador da oferta global.

    Por outro, é o mais importante fator de criação da demanda global depois do salário. É o crédito que possibilita a antecipação da demanda, sem a qual a reprodução da oferta seria impossível. Não há economia eficiente que funcione sem o crédito. Ele é uma parte visível da confiança que sustenta a coesão e torna possível a sociedade.

    Essa visão idílica e impessoal supõe um sistema financeiro competitivo e constituído por agentes angelicais. O problema é que os agentes reais estão longe de satisfazerem tais condições: cada vez que têm uma oportunidade tentam cartelizar-se e, não raramente, tem comportamento muito pouco ético aproveitando-se da assimetria de informação que domina o setor.

    Infelizmente, eles nada têm a ver com o agente de Adam Smith (1723-1790), portador de uma rigorosa moralidade imposta pelo mítico "observador imparcial" que internalizava. No fundo ele era constrangido por uma espécie de ética imposta pelo "imperativo categórico" desenvolvido por Kant (1724-1804). Temos saudades daquela ética edificante do século 18 quando conhecemos a história dos mais importantes banqueiros e financistas de carne e osso dos séculos 19, 20 e 21! Eles têm obedecido, sem remorsos à ética finória: "Ficar o mais rico que puder no menor tempo possível".

    Nada contra, mas disso tira-se um ponto interessante para o qual os economistas ainda não acordaram. Seus modelos, mesmo quando reconhecem a assimetria de informações, continuam a cultivar o agente financeiro que tem "dentro do peito o expectador imparcial" de Smith. Os pobres econometristas usam cotações das ações, taxas de câmbio de juros etc., como se elas fossem produto de um mercado competitivo construído por agentes honestos. Não. São, frequentemente, resultados de conluio de espertos agentes imorais que exploram idiotas que continuam a acreditar em histórias infantis.

    Prova? As descobertas recentes que obviamente não esgotam o estoque da patifaria escondida no setor financeiro.

    Elas já deram lugar a multas milionárias impostas pelas autoridades a alguns bancos por conta dos conluios que envolveram combinações em Bolsa, estimativas da "taxa libor" e a fixação das taxas cambiais. O que valem as pesquisas empíricas?

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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