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    Antonio Delfim Netto

    Recomeço

    10/06/2015 02h00

    É cada vez mais evidente que o Congresso tem muita dificuldade de produzir um sistema eleitoral razoável. Nele deveriam caber as seis ou sete tribos de pensamento político diferentes existentes no mundo e que pudessem ser votadas num processo eleitoral competitivo no qual o poder econômico não tivesse importância decisiva. Poder econômico, aqui, não é apenas o poder de pessoa física ao milhar, ou da grande empresa e do sistema financeiro que servem ao governo ou às empresas estatais, ou se beneficia do crédito privilegiado dos bancos públicos, mas, também, o das igrejas que se aproveitam de isenções tributárias para operações eleitorais, e o dos sindicatos fornidos por benefícios fiscais com o mesmo fim.

    A história mostra que não há um sistema eleitoral perfeito, mas é óbvio que o nosso é imperfeito demais. Infelizmente, a despeito de todo o esforço de mobilização da Câmara, o resultado até agora foi pífio e os aperfeiçoamentos, se chegaram a acontecer, serão infinitesimais. A eliminação da possibilidade de reeleição, por exemplo, não se deveu às suas inconveniências, mas à impossibilidade de controle social que preside o processo eleitoral e cresce quando se passa do nível federal para o estadual. Atinge a plenitude no nível municipal, onde a reeleição tende a dizimar a oposição. O resultado da votação mostrou o interesse do deputado de livrar-se, no nível municipal, do poder da "máquina eleitoral" montada pelo "grupo" do prefeito reeleito e que não é sujeita a qualquer controle eficaz.

    O recente protagonismo do Congresso é um fato muito positivo para a consolidação do processo democrático e para a construção da sociedade civilizada inscritos na Constituição de 1988. É preciso dizer que ele não é consequência da redução atual do papel do poder Executivo, que em si mesmo é um fenômeno preocupante. Ele é consequência do fato que para reeleger-se, o governo federal promoveu um insensato desequilíbrio que comprometeu o desenvolvimento com um gigantesco déficit nominal, o uso da contabilidade "criativa", o aumento da relação dívida/PIB, o aumento da inflação e uma valorização cambial que gerou destruição do setor industrial. Isso levou à necessidade de um "ajuste fiscal" que inibiu até agora a sua ação, que o expôs à evidente predação do Legislativo e do Judiciário que insistem em sugerir aumento de despesas sem responsabilizarem-se pelo aumento simultâneo da receita.

    O excelente Plano de Safra de 2015/16 talvez seja o primeiro sinal positivo que o poder Executivo pode recuperar o seu protagonismo mantendo a ênfase no restabelecimento do equilíbrio fiscal.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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