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    Antonio Delfim Netto

    Protagonismo

    24/06/2015 02h00

    A economia brasileira navega num mar desconhecido que tem a propriedade de tornar insegura a orientação da bússola conhecida, devido à dificuldade de estabelecer a resultante de inúmeras pressões contraditórias.

    Enfrentamos as reverbações de ondas antigas que esconderam uma inflação reprimida da ordem de 3% a 4%. Agora combatemos seus efeitos de segunda ordem, supondo que o mercado ainda não absorveu pelo menos uma parte deles, apenas porque o IPCA não os registrava, o que é duvidoso.

    Temos, por outro lado, a perspectiva de uma queda muito rápida do nível do emprego total. Quatro anos após sustentá-lo artificialmente no setor de serviços por meio de medidas salariais e monetárias para esconder a tragédia que a valorização artificial do câmbio estava gerando no emprego industrial, este retrocedeu ao nível de 2000.

    A folha real de pagamentos da indústria registra queda há 16 meses. É a hora da verdade: o emprego no setor de serviços também começou a diminuir. Com a manipulação cambial que controla os "swaps" e o desemprego, ensaiamos uma espécie de "desinflação competitiva" cujos resultados (volta do crescimento e do emprego com controle da inflação) são muito lentos e geram grande insatisfação social. Seu êxito exige, obviamente, um ambiente de alta confiabilidade nas instituições que controlam o governo -Executivo, Legislativo e Judiciário-, condição que não temos.

    Pelo contrário. A dificuldade com que a presidente tem enfrentado a herança que deixou para si mesma tem retardado e inibido o protagonismo do poder Executivo.

    Ele está sendo predado pelo Legislativo e Judiciário com a ameaça de aumento de despesas permanentes, sem o estabelecimento simultâneo da receita permanente para pagá-las, da mesma forma, aliás, que se deu, por exemplo, na distribuição prematura das receitas eventuais do pré-sal pelo Executivo. Os casos mais recentes são o tratamento irresponsável do Congresso das aposentadorias (mal corrigido com o veto) e a pressão crescente para o aumento do funcionalismo do Judiciário.

    Esses fatos mostram claramente que as medidas tomadas até agora (firmeza no "ajuste" fiscal, melhoria no programa de concessões e tentativa de reversão da expectativa inflacionária pelo aumento da taxa de juro real) estão longe de devolver ao Executivo o seu indispensável protagonismo no regime presidencialista. A solução é insistir com o que resta da sua "base" parlamentar para mobilizar o Congresso com uma robusta pauta das medidas estruturais que já dormem nas suas comissões. Sem isso, as expectativas atuais de uma "retroflação" nos imporão mais 43 meses de mediocridade...

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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