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    Antonio Delfim Netto

    Tempo perdido

    01/07/2015 02h00

    A surpresa agradável de 2015 foi a recuperação do protagonismo do Poder Legislativo. Ele é fundamental para o desenvolvimento harmônico e balanceado do processo democrático. Seguramente não é a causa da deterioração visível do presidencialismo de coalizão. É apenas o resultado natural da nossa lei eleitoral. Com 28 partidos no Congresso torna-se muito difícil "coalizar" e quase impossível "governar", a não ser apelando para métodos heterodoxos.

    Vamos combinar. A presidente Dilma não demonstra nenhum prazer pelo tricô político, nem o mais simples, aquele feito com duas agulhas. Está longe de um FHC ou um Lula, que com paciência e inteligência pragmática trifocal, gostosamente o faziam com quatro agulhas! Mas não é esta a sua dificuldade. O problema é que após a sua reeleição, quando por necessidade teve que mudar a política econômica e apelou para as medidas que já lhe haviam sido propostas pelo ilustre ministro Mantega ao longo de 2014, ela não conseguiu "explicar" a herança que recebeu de si mesma.

    Inibida pela agressividade de uma oposição que não se conformou com o resultado do pleito, cercada pelos "panelaços" e diante das tragédias que envolveram a Petrobras, limitou-se a apresentar um apressado "ajuste fiscal" sem dar a devida ênfase que ele era apenas a condição inicial necessária para a implementação de um programa de desenvolvimento competitivo destinado a desembaraçar a economia das traves impostas por um governo míope. Os três meses que antecederam a posse do segundo mandato eram suficientes para que na primeira semana do novo governo ele fosse ao Congresso com um programa completo: 1) Com projetos na área fiscal (PIS/ Cofins, ICMS etc.); na área trabalhista (proposta da CUT e outras); 2) anunciaria claramente que deixaria de "pôr a mão em tudo que se mexe" e 3) que deixaria a competição funcionar e melhoraria os processos de concessão de infraestrutura.

    Isso teria acendido o "espírito animal" do empresariado brasileiro e mitigaria o efeito sobre o nível de emprego que, necessariamente, seria produzido pelo "ajuste fiscal", claramente uma "ponte para a volta do desenvolvimento". O governo não precisava perder a iniciativa e teria aproveitado o novo protagonismo do Congresso a favor do Brasil. Lamentavelmente, concentradas no "ajuste fiscal", as duas casas estão se comportando como diretórios acadêmicos. O populismo rasteiro e a vulgata do esquerdismo generoso, mas desinformado, assumiram a "vanguarda" do atraso. É de fato uma pena que a importantíssima recuperação do protagonismo do Poder Legislativo ameace deixar um rastro malcheiroso...

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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