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    Antonio Delfim Netto

    É estrutural

    29/07/2015 02h00

    O ano 2014 foi horrível. Nele prevaleceu a "vontade" da reeleição a qualquer custo. Ela era necessária para fechar o ciclo de uma geração de domínio do Partido dos Trabalhadores, do qual emergiria, definitivamente, o "nosso Brasil", como diz o seu presidente. A "vontade política" preteriu, assim, as mínimas condições impostas pelas restrições físicas que mantêm um razoável equilíbrio econômico. Tivemos: um deficit fiscal de 6,2% do PIB (contra 3,1% em 2013); uma taxa de inflação de 6,4%, mas que escondeu os efeitos de preços controlados da ordem de 3% a 4%; a relação Dívida Bruta/ PIB aumentou em 6% do PIB; um deficit em conta corrente de US$ 104 bilhões (4,4% do PIB) e, por fim, uma queda de 0,7% do PIB per capita.

    Permanecendo no poder, o PT acreditava que teria tempo de sobra para dar a "volta por cima" e preparar-se para ganhar as eleições de 2018.

    As provas materiais dessa hipótese são um relatório interno de 2013, da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, que já apontava que a velocidade de crescimento das despesas primárias do governo era maior do que a da receita, que vinha sendo coberta com receitas atípicas, isto é, não recorrentes. Chamava a atenção para a sua aleatoriedade.

    Outro relatório interno da mesma origem, de 2014, propunha "exatamente" as medidas corretivas iniciais do "ajuste" fiscal que o Governo só enviou ao Congresso depois de reeleito. O Ministério da Fazenda imolou-se no altar da fúria de poder do PT. Inventou a "nova matriz econômica" para dar cobertura à irresponsabilidade política. Como me ensinou meu velho avô, "quando alguém erra três vezes na mesma direção, preste atenção, porque provavelmente ele está acertando"...

    Houve uma trágica subestimação dos efeitos deletérios dessa estratégia. Na tentativa de corrigir o estrago eleitoral a presidente impôs-se uma conversão comparável à de são Paulo na estrada de Damasco. Teria funcionado se ela não tivesse, ao mesmo tempo, perdido a confiança dos seus eleitores, o que tornou pior o que já estava ruim. Somou à crise econômica uma crise política, como é frequente quando o Executivo perde o seu protagonismo.

    O problema é que agora o furo é mais embaixo. No nível federal, o diferencial de crescimento entre a receita primária (que depende fundamentalmente do crescimento do PIB) e a despesa primária (que cresce endogenamente pelos "direitos adquiridos" pelos beneficiários do poder), chegou onde todos sabiam que iria chegar: a um deficit estrutural.
    Seu conserto exigirá muito mais do que um "ajuste" conjuntural.

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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