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    Antonio Delfim Netto

    Política

    04/11/2015 02h00

    Eric Hoffer ("The True Believer") esclareceu a diferença entre o exercício da política e o regime democrático: "Quando a liberdade é real, a igualdade é a paixão das massas. Quando a igualdade é real, a liberdade é apenas a paixão de uma pequena minoria. A igualdade sem liberdade cria uma estrutura social mais estável do que a liberdade sem igualdade". O exercício da política não é o mesmo que o universo democrático.

    Uma democracia sem restrições pode ser tão despótica quando a mais cruel das ditaduras, quando está apoiada na mesma base: um suporte popular direto, "massificado e esclarecido por um partido salvador" que dispensa a intermediação das comunidades de interesses (étnicos, sociais, religiosos, políticos etc.) que dão estrutura e organização à sociedade e evitam a submersão absoluta, do indivíduo no Estado absoluto.

    A Rússia de Stalin, a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini foram regimes com grande e generosa base popular, "esclarecidas" por ideologias diferentes.

    Alguns foram, ao mesmo tempo, "ditaduras do proletariado" e "democracias populares", o que nos ensina que "democracia", como "socialismo", é conceito que sempre contém muito mais do que somos capazes de imaginar...

    Tudo isso mostra que a democracia pode se realizar sem o exercício da política, mas que este não pode se realizar sem a democracia, isto é, sem uma forma adequada de organização partidária e sem uma participação crescente da sociedade na eleição pacífica e livre do poder que preside o seu destino.

    É por isso que devemos defender o exercício da política dos ataques que frequentemente lhe são feitos por uma "particular" democracia.

    E, mais ainda, preparados para defender a democracia, sem adjetivo, capaz de resistir à tentação permanente que tem o sistema democrático de transformar-se no despotismo democrático, contra o qual nos alertou de Tocqueville no século 19. Confesso que tenho razões pessoais para isso: não gostaria de ser obrigado a fazer um regime alimentar simplesmente porque a maioria dos cidadãos decidiu melhorar a distribuição dos pesos obrigando a minoria com mais de 90 quilos a fazê-lo.

    Os homens, quando estão na posição daqueles que, como disse Hobbes, ainda não descobriram que "o inferno é a verdade descoberta tarde demais", têm a propensão a não levar a sério proposições como a anterior. Elas caricaturizam, para mostrar com maior clareza, o absurdo contido na submissão da sociedade à lógica feroz da maioria iluminada pelo partido único.

    Repito para os incautos mais uma vez o que nos ensinou Goya: "Os sonhos da razão produzem monstros"...

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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