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    Antonio Delfim Netto

    Dialética

    06/04/2016 02h00

    Num "suelto" recente, publicado neste mesmo espaço, fiz um inocente jogo de palavras e uma advertência.

    O jogo consistiu em comparar o programa que a presidente Dilma Rousseff aprovou e autorizou o seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, a executar, com a "tese" numa discussão dialética.

    O programa do PT (partido que, por definição, é o suporte do governo, embora o negue) seria a sua "antítese". Não há como obter deles uma "síntese", por maior que seja o contorcionismo dialético... A advertência referia-se ao fato que existem hoje, no mundo, vários países desenvolvidos sob regime democrático e que melhor do que "dialeticar" é tentar entendê-los e melhor ainda, quando possível, tentar copiá-los com inteligência.

    Recebi duas educadas observações. Uma recomendou-me tratar com mais respeito a dialética. Ela é coisa muito mais profunda do que eu possa imaginar. Concordo plenamente.

    Numa carta de Marx a Engels (agosto de 1857), vi a dialética funcionando.

    "(...) Na questão de Delhi –diz ele– tenho a impressão de que os ingleses serão forçados a uma retirada quando a estação das águas chegar... Eu arrisquei essa tese sob minha responsabilidade desde que tive a necessidade de substituí-lo, provisoriamente, como especialista militar no Tribune... É possível que eu esteja errado. Se esse for o caso, pode-se, sempre, corrigi-lo com um pouco de dialética. Evidentemente, coloquei as minhas matérias de forma a ter igualmente razão, mesmo se estiver errado". (Marx-Engels, Correspondance, vol. 5, pg. 15, Edictions Sociales. O artigo foi publicado no "New York Daily Tribune").

    Estou conformado. Se souber "dialeticar", posso provar que estou certo e errado no mesmo instante...

    A segunda observação é produto de um desconforto produzido em cidadãos que continuam a imaginar que existem caminhos alternativos ainda não percorridos para a construção da sociedade civilizada, que admite, simultaneamente, a plena liberdade individual, impõe a busca persistente da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos empoderados pelo sufrágio universal e tem no uso dos "mercados" a eficiente garantia da sua sobrevivência material. Ignoram que a sociedade em que vivemos é produto de 10 mil anos de uma seleção histórica quase natural.

    Aqui também o velho Karl deveria ser levado mais a sério. No famoso "Grundrisse", ele ensinou que "uma nação pode e deve aprender com as outras".

    Vamos combinar. Marx foi um dos mais poderosos cérebros produzidos pela natureza para saber quem ela é, mas nunca foi o marxista inventado por seus asseclas...

    antonio delfim netto

    Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
    de São Paulo.
    Escreve às quartas-feiras.

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